Privacidade e Políticas Públicas

Eleições mexicanas: a próxima ‘vítima’ da manipulação de dados pessoais?

14/05/2018

Por Pepe Flores | #Boletim16

A bomba explodiu e a atenção da mídia tem estado voltada para o papel do Facebook e da Cambridge Analytica nas últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos e nas votações do Brexit na Grã-Bretanha. Entretanto, uma reportagem do canal britânico Channel 4 mostrou outro protagonista que tem ficado de fora da atenção principal: o México. Tanto as declarações de Alexander Nix, ex-diretor da Cambridge Analytica, como as de Mark Turnbull, atual diretor geral da empresa, fazem concluir que ela teria trabalhado no México coletando e analisando dados para influenciar nas próximas eleições presidenciais de 1o de julho.

A denúncia das operações da empresa britânica no México não é nova. Em outubro de 2017, o BuzzFeedNews já denunciava antecedentes de que a Cambridge Analytica teria operações no México, realizadas — isso sim — na sombra, tanto que a empresa não aparecia no Registro Nacional de Fornecedores do Instituto Nacional Eleitoral (INE), “onde qualquer empresa que deseja ser contratada por um partido político precisa estar registrada”.

Até hoje, pouco se sabe sobre isso. Luis Fernando García e Danya Centeno, membros da Rede em Defesa dos Direitos Digitais (R3D) desse país, em uma recente entrevista para a Letras Libres, afirmaram: “Não sabemos com certeza quem são os candidatos que estão contratando os serviços dessa empresa e os de outras similares, mas sabemos que isso está sendo feito, que elas estão sendo contratadas para coletar e explorar dados de forma massiva para traçar perfis psicográficos dos eleitores e, a partir disso, manipulá-los. A este respeito, é crucial o tema dos direitos humanos, desde como essas informações pessoais são obtidas e que controle temos sobre essa prática, até quais são os nossos perfis traçados e quais as consequências para nossa experiência on-line”.

As próximas eleições presidenciais no México vão ser realizadas no contexto de uma grave crise dos direitos humanos. Recentemente, entidades como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, entre outras, analisaram e denunciaram essa crise, com particular ênfase em desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, tortura, bem como assassinatos, violência e ameaças contra repórteres, que fez com que o México seja considerado um dos países mais perigosos do mundo onde exercer o jornalismo.

Esse contexto faz com que a relação entre a Cambridge Analytica – e empresas similares – e os partidos políticos no México seja uma área de especial preocupação. De fato, o candidato da coalizão Juntos Haremos História, Andrés Manuel López Obrador, declarou que “essa empresa foi contratada por mexicanos para fazer guerra suja contra nós”. Por sua vez, Ricardo Anaya, candidato presidencial da coalização Por México al Frente, sugeriu que a empresa britânica pode ter influenciado as eleições no Estado do México em benefício do Partido Revolucionario Institucional (PRI). Não é difícil imaginar o porquê e, portanto, a repórter Dolia Estévez afirma que “o panorama eleitoral está muito conturbado, a situação está suficientemente tensa para que uma empresa com essa capacidade entre em cena”.

Com todos esses antecedentes, o Boletim Antivigilância entrou em contato com Pepe Flores, diretor de comunicação da R3D, para compreender melhor a situação no México e saber quais são as ferramentas de que os cidadãos dispõem para enfrentar a exploração de dados na Internet para fins eleitorais.

Em sua opinião, quão importantes são as redes sociais como o Facebook no México e em que extensão elas são usadas em campanhas políticas?

As redes sociais, em especial o Facebook, são uma importante fonte de informação para um setor jovem do eleitorado que, de acordo com estimativas do Instituto Nacional Eleitoral, representa entre 30% e 40% do cadastro eleitoral. Para os partidos políticos, o Facebook é uma ferramenta na qual se investe cada vez mais dinheiro. Por um lado, a fiscalização dos recursos destinados a esse tipo de propaganda é muito complicada; por outro, seu uso permite a criação de campanhas de desinformação que podem influenciar o voto do setor indeciso da população.

Há evidências para suspeitar que empresas como a Cambridge Analytica e similares atuem explorando dados para fins eleitorais nas próximas eleições no México?

Sim. A investigação realizada pela Channel 4 no Reino Unido indica que uma fonte revelou que a Cambridge Analytica trabalhou com o PRI no México pelo menos até o início de 2018. Ela teve escritórios no país, procurou ativamente contratar pessoal e recorreu a outra empresa (pig.gi) para obter dados sobre usuários da Internet por meio de pesquisas. A isso deve-se adicionar antecedentes como a suposta intervenção de personagens como Andrés Sepúlveda, que alega ter realizado campanhas de “guerra suja” on-line nas eleições presidenciais de 2012 ou do consultor Juan José Rendón, também vinculado a essas campanhas “sujas”. Um dos principais riscos da exploração desses dados é a criação de perfis psicográficos que permitem a manipulação do eleitorado por meio da elaboração de estratégias de desinformação que tiram proveito de suas crenças e valores.

O México tem um regulamento para dados pessoais: em que extensão você acredita que esse marco legal pode proteger os dados dos usuários da Internet na campanha eleitoral?

Sim, existe a Lei Federal de Proteção de Dados Pessoais em Posse de Entidades Reguladas e a Lei Federal de Proteção de Dados Pessoais em Posse de Particulares. O marco legal é insuficiente, porém ainda mais problemático é o fato de a autoridade de proteção de dados (INAI) não ter mostrado capacidade nem vontade de interpretar as normas para dados pessoais de modo que estas possam ser uma ferramenta efetiva para a investigação e a punição de condutas que violem o direito à proteção de dados pessoais. Os procedimentos são muito extensos e as normas são muito vagas, a autoridade não gerou nenhuma interpretação que constitua uma garantia efetiva contra o abuso de dados pessoais, tampouco tem agilidade ou atua com diligência.


Há alguma regulação no México sobre publicidade eleitoral em redes sociais ou na Internet em geral? Até que ponto você acredita que o fato de tal regulação existir ou não afeta a campanha eleitoral?

Sim, existe uma regulação para publicidade eleitoral em qualquer mídia (incluindo as redes sociais e a Internet), mas ela está voltada para os partidos políticos e os candidatos. Em essência, candidatos e partidos políticos são proibidos de difundir propaganda que contenha expressões depreciativas ou caluniosas. É proibida também a difusão de informações falsas sobre resultados por parte de candidatos e partidos políticos, assim como fazer propaganda durante o período de vedação eleitoral. Essas obrigações não existem para pessoas comuns, isso é positivo porque essas normas poderiam ter um efeito inibidor sobre o direito à liberdade de expressão e afetar o livre fluxo de informações em uma disputa política, onde o debate público é muito importante.

Há também uma fiscalização dos gastos eleitorais para evitar que exista inequidade nas campanhas e que alguém possa ter uma vantagem derivada de seu poder econômico. Nesse sentido, existem precedentes como a série de diretrizes que o INE publicou em meados de 2017 visando garantir a equidade da disputa. Por exemplo, um dos pontos é que a Unidade Técnica de Fiscalização contabilizará os gastos de promoção em redes sociais como parte dos limites máximos de campanha. Apesar disso, o Tribunal Eleitoral já tomou decisões contrárias a isso, anulando a fiscalização dos gastos no Facebook em campanhas no Estado do México e Nayarit.

Entretanto, na prática, as autoridades eleitorais têm sido negligentes ou deficientes na fiscalização dos recursos usados na propaganda on-line. Houve casos como o do Partido Verde, em 2015, quando dezenas de celebridades mexicanas fizeram comentários de apoio ao partido no Twitter durante a vedação eleitoral. Foi a partir do final de 2016 que o Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação impôs uma multa de 7 milhões de pesos ao PVEM.

O problema não foi essas pessoas terem tuitado durante a vedação, mas sim o fato de que o partido as pagou para fazê-lo. Qualquer pessoa pode tuitar o que quiser durante a vedação eleitoral, o problema foi que, por terem sido pagas pelo PVEM, isso constituiu publicidade fora do período permitido e, além disso, os recursos usados no pagamento eram de procedência duvidosa, não fiscalizados nem contabilizados como parte dos gastos eleitorais.

Nesse sentido, não precisamos de mais regulação, e sim de autoridades investigadoras com vontade política e capacidade para fazer as indagações. Poderiam participar também as empresas que se beneficiam economicamente do mercado eleitoral, divulgando com transparência os gastos com publicidade on-line e garantindo que toda essa propaganda nas redes paga pelos partidos seja contabilizada como tal. O problema é que, atualmente, a autoridade eleitoral não é suficientemente capaz de investigar e punir de maneira adequada.

Quais são as principais sugestões ou recomendações para que tanto as políticas públicas como os cidadãos enfrentem da melhor maneira a exploração de dados para fins eleitorais?

As pessoas têm determinadas ferramentas para mitigar de alguma forma a exploração de dados para fins eleitorais. Se possível, devemos evitar usar serviços que solicitem dados pessoais em excesso e os vendam pela melhor oferta, que não sejam transparentes na forma de coletar esses dados.

Entretanto, é uma falsa solução depender unicamente da força de vontade das pessoas para evitar usar esses serviços. Para muita gente, o uso do Facebook, WhatsApp e Google, por exemplo, é importante para o desenvolvimento de sua atividade econômica ou para sua vida social, portanto, colocar toda a carga do problema sobre os usuários, que têm tão pouco poder para fazer algo a respeito, é um erro.

Por isso é necessário fazer uma revisão coletiva das políticas públicas existentes, a fim de tornar transparente e sujeito a prestação de contas o poder de certas plataformas hegemônicas. Os serviços on-line com poder dominante têm uma responsabilidade e suas decisões particulares afetam o interesse público. É importante haver mecanismos que garantam a prestação de contas referente ao exercício de tal poder.

Tradicionalmente, seria atribuída ao Estado – em um Estado democrático – a função de garantir que a operação de qualquer indústria não afete de forma adversa o interesse público. Acredito que não se deve descartar essa possibilidade, entretanto, precisamos ser enfáticos quanto ao risco de instituições não democráticas pretenderem exercer um domínio sobre as plataformas on-line. É preciso ter cuidado para que esses mecanismos não se convertam também em ferramentas que prejudiquem o interesse público censurando ou afetando o direito à privacidade. É necessária uma discussão aberta, transparente, que permita traçar políticas que impeçam que as plataformas privadas (e o Estado) possam abusar de seu poder.

Pepe Flores, do México, atua como diretor de comunicação da R3D.

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