Tecnologias de Vigilância e Antivigilância
Data Selfie: que tipo de algoritmos queremos?
14/05/2018
Por Hang Do Thi Duc | #Boletín16
O Data Selfie é uma ferramenta de ativismo de dados, uma extensão de navegador gratuita e de código aberto que rastreia seus passos no Facebook: o que você vê, por quanto tempo o vê, o que te agrada, os links clicados por você nas histórias destacadas, além do que você digita.
Com base nessas informações, ele apresenta uma tela com suas informações de uso e uma análise das imagens que você consome, e também faz predições – baseadas nos dados rastreados – que são geradas pelos algoritmos de aprendizagem automática do IBM Watson e do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge. Isso inclui informações muito pessoais, como um perfil de personalidade (OCEAN/Big 5, ou seja, abertura a experiências, responsabilidade, extroversão, amabilidade e instabilidade emocional), orientação religiosa e política, satisfação com a vida e potencial de liderança. Com isso, ele dá uma demonstração do tipo de informações que o Facebook pode estar colhendo sobre quem usa a rede.
Com essa extensão, lançada em 2017, qualquer um pode hackear seus próprios dados do Facebook, até certo ponto e pode experimentar o Data Selfie com seus próprios dados individuais, coletados em cada uma de suas interações com a plataforma. Mais de 160.000 pessoas já usaram o Data Selfie até o momento. Como ferramenta de ativismo de dados, ele tem sido usado para fins de reflexão, para ensinar a melhorar a alfabetização de dados e para reconhecer os filtros-bolha nos quais nos movemos.
Em termos mais técnicos: essa ferramenta não usa a API do Facebook, já que esta não dá acesso a dados muito granulares, como o tempo que alguém levou vendo uma publicação. A extensão visa o front-end representado o DOM da página do Facebook do usuário no navegador (os elementos HTML e seu conteúdo). Por meio de JavaScript, a extensão do navegador é capaz de detectar quando a pessoa navega pelo site, quando digita e quando clica em algum lugar. A extensão mostra os tipos de dados que o Facebook é capaz de rastrear e as informações de personalidade que ele pode gerar sobre seus usuários 1 usando algoritmos de aprendizagem automática. Isso não é um esforço para aplicar engenharia reversa ou replicar o algoritmo do Facebook, é apenas uma tentativa de mostrar o que é possível fazer com os algoritmos disponíveis.
Além disso, as permissões que a extensão solicita são para o processamento de dados de forma local (na sua máquina) e para o envio de solicitações anônimas ao servidor do Data Selfie. Isso significa que os dados de consumo são enviados ao servidor sem a identidade das pessoas (por exemplo, nome ou ID no Facebook), e a análise (por exemplo, previsão da personalidade) é enviada de volta à tela da extensão do usuário. Nenhum registro é mantido (não existe uma base de dados, não há logs) no servidor dos dados enviados (input) nem nos resultados da análise (output). O servidor mantém os endereços IP durante 24 horas para garantir que ninguém abuse do serviço gratuito fazendo solicitações em excesso.
A arte e o design podem ajudar as pessoas a ver coisas que antes não conseguiam, a compreender uma perspectiva que não haviam compreendido antes. Esse é o motivo principal desse artístico produto antiproduto. À primeira vista, o Data Selfie poderia parecer uma ‘próxima start up’, cuja continuação vai desenvolver seu modelo de receita (“provavelmente anúncios publicitários”, alguns poderiam pensar). Mas não somos empresárias e não estamos buscando monetizar isso. Não armazenamos dados de ninguém. Não há estratégias para manter a participação de quem usa a ferramenta e não tem problema nenhum quando a desinstalam – na verdade, é até melhor, pois nos ajuda a manter os custos baixos. Também não temos uma interface “amigável”, nossa estética de terminal faz supor que esta é uma ferramenta bruta, no estilo dos hackers.
Em muitos sentidos, o Data Selfie não responde a perguntas como os produtos reais, mas essa investigação criativa provoca novas perguntas, como, por exemplo: o que as (outras) empresas podem saber sobre mim? Que tipo de algoritmos queremos? O Data Selfie nos obriga a pensar e discutir sobre quanto controle temos realmente sobre nossos dados. O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia, que entrou em vigor em 2018, inclui artigos que dão às pessoas o direito de estarem informadas e de acessar, restringir e apagar seus dados pessoais gerenciados pelas empresas. Tanto o Data Selfie como essa lei abordam o conhecimento e o desequilíbrio de poder atualmente em jogo.
Mas se não há anúncios publicitários, como a ferramenta é financiada? O Data Selfie recebeu fundos da New York City Economic Development Corporation, do Mayor’s Office of Media and Entertainment e do NYC Media Lab’s por meio do programa Combine em 2016. Os custos contínuos das APIs e os esforços de manutenção e de desenvolvimento de novos recursos são cobertos graças a um Flash Grant da Fundação Shuttleworth e um Media Grant da Fundação Mozilla, com o apoio (parcial) de um subsídio da Open Society Foundations.
Existe um grande interesse em explorar a sociedade e a cultura através dos dados. É fascinante ver as perspectivas que os dados podem revelar. Ao mesmo tempo, é problemático quando as corporações (e os governos) são opacos quanto ao que aprendem sobre nós através de nossos dados autogerados, especialmente quando os usam de formas que a maioria de nós desconhece.
Os últimos dois anos mostraram que os algoritmos são onipresentes e, aparentemente, oniscientes e onipotentes em nossa sociedade de dados, apesar de ainda estarem ocultos. Entretanto, é obvio que os algoritmos de Big Data definem cada vez mais nossas vidas e é importante, especialmente para aqueles que são indiferentes a este tema, ter consciência do poder e da influência de nossos dados sobre nós mesmos.
1. Tem havido uma ampla discussão sobre como a Cambridge Analytica poderia ter usado a psicometria em seus esforços no referendo do Brexit e nas eleições dos EUA em 2016. Não temos conexão com essa empresa e jamais teremos. O Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge publicou uma declaração para esclarecer que não estão associados de nenhum modo à Cambridge Analytica.
Hang Do Thi Duc atua como designer-artista-tecnóloga e é cocriadora do Data Selfie.
Tags: Boletim16, dataselfie, extensão, facebook, Hang Do Thi Duc, soluções
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