Privacidade e Políticas Públicas

Prestes a escolher novo presidente, Colômbia não garante proteção de dados dos eleitores durante campanha

14/05/2018

Por Pilar Saenz | #Boletim16

Segundo vários comunicados oficiais emitidos em julho de 2017 pela própria Cambridge Analytica, a organização teria operado na Colômbia em parceria com a Farrow Colômbia SAS, uma empresa vinculada ao aplicativo para celulares pig.gi. A companhia, que chegou a registrar um milhão de downloads no país no Google Play e no Facebook, oferecia ativar dados gratuitamente em troca de informações pessoais e receber anúncios publicitários. De fato, essa informação fez com que a Superintendencia de Industria y Comercio ordenasse o bloqueio imediato do aplicativo.

No entanto, como em todos os países latino-americanos onde a Cambridge Analytica está implicada, ainda há pouquíssima informação. O jornal El Tiempo, por exemplo, comprovou que a Farrow registra Medellín como sede e seus representantes oficiais são Joel W. Phillips e a colombiana Diana Marcela Palacio Barrera, mas não foi possível encontrar informações de contato direto para falar com eles. Também não se sabe com certeza para quem trabalharam, o que abriu um cenário de especulações.

Uma delas é que eles teriam operado na campanha do não, que buscava rejeitar os acordos de paz do governo com as FARC nos comícios de 2016. Existiriam duas pistas para essa especulação: uma, que alguns assessores da campanha não identificados teriam recomendado apelar para a indignação, o que coincide com a ideia de Mark Turnbull, diretor da CA, de que as campanhas eleitorais são ganhas através de emoções como o medo. A segunda pista provém de fontes extra-oficiais que teriam confirmado que a Cambridge Analytica trabalharia para a equipe do senador (e ex-presidente colombiano, além de ser o principal opositor aos acordos de paz) Álvaro Uribe Vélez. O partido do senador desmentiu a informação, tal como o prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, que também foi relacionado à empresa.

Nesse cenário de incerteza, a Fundación Karisma se perguntou se os candidatos às próximas eleições presidenciais de maio deste ano utilizam ferramentas parecidas com as da Cambridge Analytica para explorar dados pessoais dos usuários com fins eleitorais. Dessa maneira, fez a análise dos sites de cinco candidatos que lideram a corrida presidencial da Colômbia e conseguiu confirmar a relação da Nation Builder – a empresa que ajudou Trump a chegar à presidência – com as campanhas de Iván Duque e Humberto de la Calle.

Para nos aprofundarmos no que está acontecendo na Colômbia a esse respeito, conversamos com uma das pesquisadoras do estudo da Fundación Karisma, Pilar Sáenz.

Na sua opinião, qual a importância das redes sociais como o Facebook na Colômbia e quanta atenção elas prestam às campanhas políticas?

De acordo com a pesquisa Yanhaas de maio de 2017, na qual são analisadas as plataformas usadas na Colômbia para acompanhar notícias e em quais delas as pessoas confiam, o WhatsApp e o Facebook ocupam o segundo (49%) e terceiro lugares (44%) na frequência de uso para acompanhar as notícias mesmo que sejam, simultaneamente, as que são vistas com mais desconfiança. Portanto as redes sociais como o Facebook são muito importantes na Colômbia. Conforme dados disponíveis de dezembro de 2017, 58,6% das pessoas na Colômbia têm conta no Facebook. No país, o uso do Facebook ou WhatsApp como fontes de informação é preocupante, particularmente se levarmos em conta que são aplicativos que frequentemente fazem parte de ofertas de tarifa zero, o que dificulta que algumas pessoas contratem informações fora da rede. Frequentemente vemos candidatos usando Facebook em campanhas políticas para difundir informações. O WhatsApp também é muito utilizado com a mesma finalidade, ainda que seja difícil rastrear a origem da informação que circula no aplicativo de mensagens.

No contexto político atual do país, o que significam as possíveis relações da Cambridge Analytica na Colômbia?

Embora a página web da Cambridge Analytica mostrasse uma campanha eleitoral colombiana como um caso de sucesso (o assessoramento ao atual prefeito de Bogotá, Henrique Peñalosa), a informação foi apagada após ser desmentida pela Prefeitura de Bogotá. Existem outras especulações que, na Colômbia, ligam a empresa à equipe do ex-presidente, hoje senador, Álvaro Uribe Vélez. Até o momento não há provas concretas. No entanto, a Superintendencia de Industria y Comercio bloqueou o uso do aplicativo pig.gi, vinculado à Cambridge Analytica, como medida de prevenção devido à sua aparente ligação com um possível tratamento ilegal de dados pessoais de colombianos.

O que descobrimos é que pelo menos dois candidatos presidenciais usaram ou estão usando ferramentas de Nation Builder em seus sites. A empresa também estava vinculada com as estratégias de redes em apoio à campanha de Trump.

No que diz respeito à manipulação de informação e pessoas para conseguir resultados eleitorais, o impacto das notícias sobre a Cambridge Analytica e o Facebook não é relevante. O governo da Colômbia ratificou recentemente os acordos de paz com a guerrilha das FARC. Parte do processo foi uma consulta feita através do mecanismo do plebiscito. Tanto os grupos opositores aos acordos como seus promotores fizeram campanha política para levar adiante a sua visão desta conjuntura política. O gerente da campanha contra os acordos de paz, que convidava a votar NÃO no plebiscito, afirmou a um jornal colombiano que a sua campanha se focou em publicar mensagens que enfurecessem e indignassem os eleitores. Apesar do fato ser lembrado como uma forma de manipulação midiática, ele não foi suficientemente escandaloso para ter consequências graves para os envolvidos.

A Colômbia tem regulação de dados pessoais: quanto você acredita que esse marco legal pode incidir em proteger os dados dos usuários de Internet em um contexto de campanha eleitoral?

No marco atual, a regulação é insuficiente. As práticas de manejo e proteção da informação dos eleitores e eleitoras na Colômbia são pobres, ainda que a informação de vinculação política seja legalmente reconhecida como informação pessoal sensível. Nesse sentido, sabemos de uma sanção de 2014 contra um candidato por mau uso de dados pessoais.

Existe alguma regulação na Colômbia com respeito à publicidade eleitoral em redes sociais ou na Internet em geral? Quanto você acredita que a existência ou ausência de regras afeta o contexto de campanha eleitoral?

Não há uma regulação específica sobre publicidade eleitoral em redes sociais ou na Internet. O fato de que não exista nos impede de fazer um controle mais efetivo sobre os recursos econômicos que se dedicam a essa atividade e às estratégias empregadas. Por enquanto, o que sabemos é que os candidatos terceirizam a geração de estratégias de uso de redes com empresas de publicidade ou de marketing. Essa prática dilui a responsabilidade no manejo de dados pessoais e dificulta o controle de gastos de recursos em publicidade.

Quais são as sugestões ou recomendações principais para que tanto as políticas públicas colombianas como os cidadãos lidem melhor com o uso de dados para fins eleitorais?

No que diz respeito a políticas públicas, é necessário revisar a regulação sobre publicidade eleitoral para incluir assuntos específicos sobre a utilização de redes sociais e Internet. Também é necessário promover canais de denúncia para os possíveis casos de utilização indevida de dados pessoais por partidos e candidatos durante as campanhas eleitorais.

Para o público em geral, devemos oferecer informação ampla sobre direitos em matéria de intimidade e, particularmente, sobre as garantias de proteção de dados pessoais contempladas pela lei. É desejável promover a revisão das configurações de segurança e privacidade de aplicativos, programas e dispositivos com a finalidade de reduzir a quantidade de informação que é fornecida a terceiros e a utilização de rastreadores.

Pilar Sáenz, da Colômbia, atua como coordenadora de projetos e pesquisadora na Fundação Karisma.

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