Privacidade e Políticas Públicas, Sem categoria

Meu celular sem Google!?

05/05/2017

Por Luiz Alonzo Fulchi | #Boletim15

Por quê?

“Por que fazer isso se ele funciona bem?” é sempre a pergunta mais comum. Entre os benefícios de ter um celular com o Google estão: ele facilita a sua vida lhe dizendo o quanto você vai andar, quando você vai viajar, ele lê a tela para você, ele tem agenda, e-mail, documentos, faz backup e organiza suas fotos, atualiza aplicativos e até oferece uma rede social. Todos esses serviços são totalmente “gratuitos”. O próprio Android, sistema operacional mais usado nos celulares, é desenvolvido pelo Google.

Após as revelações de Snowden e as diversas publicações do WikiLeaks, incluindo os livros do Assange e seus colaboradores, a teoria global da conspiração desapareceu e formou-se uma realidade orwelliana que tem sido chamada de “Vigilância estratégica” ou “Vigilância massiva”.

Dito de forma atroz, isso significa vigiar o futuro. É que o armazenamento de informações ficou tão barato que os governos e empresas podem se dar o luxo de armazenar os dados e metadados das comunicações para analisá-los quando necessário: podendo ser no presente, por meio da construção de perfis para propósitos comerciais — o que tem sido chamado de Big Data — e também para fins de “segurança”. Como o armazenamento de dados pessoais e de comunicações costuma ser mantido por um tempo indeterminado, abre-se a possibilidade de vigiar o futuro, ou seja, em algum momento do futuro será possível rever “o histórico” de qualquer pessoa do planeta, para qualquer finalidade que se apresente. Isso não é um conto de ficção.

Sobre a frase “quem não deve, não teme”, ela já foi rebatida dezenas de vezes nos últimos cinco anos, por isso não entraremos nessa discussão, mas este artigo parte do pressuposto que privacidade e intimidade são direitos humanos fundamentais que devem ser protegidos a qualquer custo, inclusive frente ao constante martelar dos ideólogos que cavalgam sobre os quatro cavaleiros do apocalipse: narcotráfico, terrorismo, pornografia infantil e lavagem de dinheiro (antes tínhamos o comunismo internacional, hoje isso se diversificou).

O problema de sair

Ainda que o Android seja em sua maioria software livre, muitos telefones com Android saem de fábrica com outros componentes proprietários do Google, do próprio fabricante do celular ou da operadora de telefonia. Alguns deles até tem o boot loader (o programa que lê o sistema operacional quando o celular é ligado) bloqueado de propósito para dificultar que você instale outro sistema operacional.

Mas se livrar do Google no seu telefone é possível, e não é tão difícil quanto parece.Nós podemos, sim, buscar estratégias para evitar o armazenamento massivo dos nossos dados e escapar do Grande Irmão que tudo armazena e tudo processa.

Para tal, precisamos recuperar a importância do software e do hardware livres.  Eles reduzem o risco de existência de funcionalidades maliciosas, já que permitem auditorias independentes e permanentes do funcionamento de seus diversos componentes, tanto físicos como lógicos.

Existem três projetos de sistema operacional livre — que se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento e têm diferentes graus de penetração e utilidade — que nos permitiriam trabalhar sem o Google e recuperar o controle dos seus dados.

Os sistemas operacionais recomendados

O primeiro deles chama-se CopperheadOS. Foi lançado em 2016 com a promessa de ser um sistema operacional com foco na segurança.  Como um projeto bastante novo,,atualmente só pode ser instalado em quatro ou cinco dispositivos Nexus e Pixel, o que ainda o torna um pouco inacessível.

O segundo é o Replicant, que foi iniciado em 2010 e já demonstrou estabilidade e independência ao longo do tempo. Ele é compatível com cerca de 12 dispositivos e existem lojas como a Tehnoetic que vendem dispositivos com esse sistema operacional pré-instalado.

Por último, temos o LineageOs, que parece ser um projeto deste ano, mas que tem uma “linhagem” de vários anos de existência (seu nome anterior era CyanogenMod). Dos três mencionados, ele é o mais amplo e o mais usado, compatível com cerca de 130 dispositivos. Ele resistiu à mudança de toda a sua infraestrutura, seu nome e sua marca, e segue ativo e em constante desenvolvimento. As versões oficiais são muito estáveis e essa é a opção mais recomendável , ainda que para sua instalação você precise de alguma paciência com tutoriais ou a ajudinha de algum amigo que já tenha migrado.

E depois?

Agora que você já tem um sistema operacional sem o Google, como prosseguir?

Existem várias “lojas” ou repositórios de aplicativos para Android, mas a que mais se recomenda é a F-Droid. Simplesmente porque é uma loja de software livre e comunitário que só distribui software livre. Todos os aplicativos mostram bem visivelmente suas licenças, bem como avisos sobre uso de bibliotecas privadas ou monitoramento do usuário. Seu repositório conta com mais de 2.000 aplicativos e permite adicionar repositórios externos como o do TheGuardianProject, que tem vários aplicativos de proteção digital.

Nós recomendamos também uma série de aplicativos livres, que podem ser encontrados na f-droid e que vão ajudar nas tarefas do dia a dia:

  • AdAway (bloqueador de propaganda)
  • APKShare (compartilhe aplicativos com quem desejar)
  • Barcode Scanner (leitor de códigos QR)
  • Dandelion (cliente para a rede social Diaspora (*)
  • Document Viewer (visualizador de PDF)
  • Equate (calculadora e conversor de unidades)
  • Firefox (navegador)
  • FreeOTP (autenticação de dois fatores)
  • K-9 Mail (leitor de e-mail) (*)
  • Kontalk (aplicativo de mensagens com criptografia e2e e servidores descentralizados)
  • Nexcloud (cliente de nuvem) (*)
  • Orbot e Orfox (navegação de forma anônima)
  • Osmand (mapas, navegação etc. usando osm.org)
  • Riot (cliente de mensagens Matrix) (*)
  • Send Reduced (reduz suas fotos e exclui os metadados antes de enviar)
  • Syncthing (nuvem p2p)
  • Telegram (mensagens)
  • VLC (reprodutor de vídeos)

Os aplicativos marcados com (*) vão exigir que você contate um provedor de serviços e se registre como usuário.

Com essa lista, acredito que você tem um bom caminho por onde começar a pesquisar e, caso lhe falte algo, como por exemplo o WhatsApp, você poderá pedir a um amigo que lhe envie seu aplicativo ou poderá testar lojas alternativas, como a aptoide.

Esperamos que tudo isso lhe tenha sido útil e que você se anime a sair do prisma. Você pode continuar lendo aqui.

 

Luis Alonzo Fulchi coordena a área tecnológica da organização TEDIC no Paraguay. Sociólogo pela Universidad de la República (Uruguay) com mais de 10 anos de experiência en tecnologias abertas e metodologias colaborativas de produção. Co-fundador do Creative Commons no Uruguay, atualmente forma parte da equipe de Creative Commons Paraguay. Assessor de tecnologia e professor de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (ProEVA) da Universidad de la República durante 5 anos.

 

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