Privacidade e Políticas Públicas

Princípios legais da violência de gênero on-line

10/09/2016

Por Agneris Sampieri | #Boletim14

A violência de gênero on-line é um tema que, até pouco tempo, não se discutia abertamente, apesar deste tipo de violência estar presente há décadas, invisibilizada pela própria sociedade.

A violência baseada no gênero procura controlar como as pessoas vivem suas relações pessoais e como elas se autodefinemi. As principais vítimas deste tipo de violência são as mulheres e os principais agressores, os homensii.

Unido a isto, existe uma desvalorização das mulheres – entendida como uma perda de valor intrínseco de cada pessoa –, que permite a existência de inúmeras agressões que, efetuadas através dos meios digitais, são acompanhadas de certa impunidade. Isto se deve a que o meio no qual se realizam apresenta características que fazem mais complicada – mas não impossível – a investigação, punição e reparação dos ataques perpetrados contra as mulheres.

Este tipo de agressão baseada no gênero impacta de maneira direta e imediata contra o principio de igualdade e não discriminação, direito reconhecido nos artigos 1 e 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH); nos artigos 2 e 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP); nos artigos 1 e 7 da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH); assim como em outros tratados internacionais.

Também, os órgãos internacionais determinaram a proibição de realizar qualquer distinção em razão do gênero – ou outros motivos – que tenham como objeto menoscabar o gozo de outros direitosiii. Diante deste fato, a discriminação que se materializa por meio de agressões on-line contra as mulheres vão desde ofensas, denigração pessoal, ameaças, até a publicação de suas informações privadas sem autorização, como endereço, telefone, fotos ou vídeos; principalmente, atos cujo propósito seja indicar qual deveria ser o suposto lugar das mulheres na sociedade.

A não discriminação, junto com a igualdade perante a lei e a proteção legal sem nenhuma discriminação, constituem um principio básico e geral relativo à proteção dos direitos humanosiv, ou seja, de caráter transversal por ser requisito indispensável aos demais direitos; por tanto, o fato de este princípio ser afetado tem como consequência o prejuízo do gozo de outros direitos.

Por tanto, quando falamos de violência on-line baseada em gênero, na maioria dos casos podemos observar que vários direitos são afetados: direito à proteção da honra e da dignidade, direito à privacidade das pessoas, assim como direito à liberdade de pensamento, expressão e opinião, acesso à informação, e assim por diante.

No que diz respeito ao direito de liberdade de expressão, é importante fazer uma breve análise dada a importância e o alcance deste direito para o caso concreto de violência on-line, baseado em que ele esta protegido no âmbito internacional pelos artigos: 13 da CADH, 19 do PIDCP e 19 da DUDH, entre outros. É preciso ter em mente que os prejuízos a este direito têm por objeto limitar o alcance das opiniões, críticas, a divulgação de informação direcionada às mulheres ou emitida por elas, assim como a possibilidade de acesso a estas informações.

Ao tratar de limitar as vozes críticas ou a quem quer fazer parte do debate, o efeito é dobrado, porque prejudica quem pretende difundir essa informação como quem deseja ter acesso a ela, situação que se amplifica quando o meio que se pretende censurar é digital, já que seu alcance é maior, gerando maior incidência social.
O silenciamento a estas vozes pode acontecer de duas formas: i) a autocensurav e ii) a censura; a primeira acontece através de um processo interno, pelo qual se decide deixar de falar a respeito de certos temas ou de certo modo para evitar os ataques dos quais se pode ser objeto, ou seja, um silenciamento ou uma atitude produzida pelo medo de ser atacada, seja com ofensas, ameaças ou com a publicação de informações privadas sem consentimento; e consequentemente, também afetando o direito à privacidade.

Na segunda forma, acontecem práticas cujo interesse é evitar a criação, divulgação e recepção de informação por meio de ataques diretos às páginas de internet ou redes sociais, que podem consistir em ataques de negação de serviços (DDoS)vi ou em realizar denúncias infundadas para que sejam bloqueadas suas redes sociais (como Facebook e Twitter) com a intenção de silenciar uma voz crítica e impedir que outras pessoas tenham acesso a essa informação.

Logo, o fato em si da violência baseada no gênero afeta de forma direta o princípio de não discriminação e igualdade, e em consequência gera repercussões a outros direitos que, por ser uma violência no meio digital, incidem principalmente na liberdade de expressão das mulheres, seu acesso à informação e o respeito à sua honra e vida privada, razões pelas quais, faz-se necessário gerar políticas públicas que tenham por objeto dar solução a esta forma de violência da qual são vítimas as mulheres.

Agneris Sampieri é estagiaria de Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma do México. Trabalha como auxiliar de investigação no Instituto de Investigaciones Jurídicas em temas como Direito Internacional dos Direitos Humanos e é assistente legal na R3D: Red en Defensa de los Derechos Digitales.

i Princípios de Yogyakarta. “Princípios sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos às Questões de Orientação Sexual e Identidade de Gênero. Indonésia. Novembro 2006.
ii Vela, Estefanía y Erika Smith. “La violencia de género en México y las tecnologías de la información” en Internet en México: Derechos Humanos en el Entorno Digital. Derechos Digitales. México 2016, pág 59.
iii ONU. Doc. HRI/GEN/1/Rev.7. Comité de Derechos Humanos. Observación general Nº18. No discriminación . 37º período de sesiones (1989), párr. 6 y 7; Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile . Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de febrero de 2012. Serie C No. 239. Párr. 84.
iv ONU. Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. Derecho al trabajo . Observación General No. 18 de 6 de febrero de 2006. E/C.12/GC/18, párr. 1.
v Corte I.D.H., Caso Palamara Iribarne Vs. Chile . Sentencia de 24 de febrero de 2012. Serie C No. 135. 64.

vi Um ataque de DDoS (Ataque Distribuído de Negação de Serviços) é um dos ataques informáticos mais simples e efetivos: provoca-se artificialmente uma demanda tal ao servidor do website que ele não tem capacidade de responder, logo o site aparece fora do ar. Consultado em: https://derechosdigitales.org/9605/por-que-medios-y-periodistas-deberian-involucrarse-en-el-debate-de-la-ciberseguridad/

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