Privacidade e Políticas Públicas

CPI de Crimes Cibernéticos: novo PL de bloqueio convoca o Deus Copyright

01/05/2016

Por Lucas Teixeira

mickey

A CPI de Crimes Cibernéticos tem seguido nas últimas semanas; os(as) parlamentares que formam a Comissão de Inquérito tentaram em vão entrar em um consenso entre si e setores interessados (como a sociedade civil, associações da indústria audiovisual e empresas do setor digital). O relatório final, com propostas de projetos de lei, indicações e recomendações, tem “suscitado inúmeros controvérsias“, sendo criticado por “ameaçar a Internet livre” e “colocar em xeque o Marco Civil da Internet“.

Novidades publicadas na manhã deste sábado, a dois dias úteis da votação, pioram ainda mais a sitiuação: o polêmico bloqueio de conteúdos e aplicações por parte dos provedores traz para o texto da lei a proteção à “propriedade intelectual“. O termo vago nos traz única certeza, à qual setor ele interessa: às grandes empresas de proteção aos direitos autorais e de distribuição de conteúdo audiovisual, representadas no Brasil por associações como o Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP) e órgãos como o Escritório Central de Arrecadação (Ecad).

O elefante entra na sala: direitos autorais na Internet

Na manhã do dia 30 de abril, os sub-relatores Sandro Alex e Rafael Motta publicaram uma Nota de Esclarecimento onde defendem o “bloqueio a aplicações de internet por ordem judicial” e publicam nova revisão de um Projeto de Lei com esse objetivo.

Em vez de ouvir manifestações claras de diversas organizações da sociedade civil e da comunidade técnica, esclarecimentos das ONG’s Electronic Frontier Foundation (EUA) e Derechos Digitales (Chile) sobre equívocos na interpretação da lei de seus países, além de centenas de cidadãs e cidadãos do Brasil e do exterior, os sub-relatores decidiram manter este dispositivo, agora delimitando quais crimes são passíveis de bloqueio/remoção: terrorismo, crimes hediondos, tráfico de drogas, pedofilia, tráfico internacional de armas, e… violações à propriedade intelectual, propriedade industrial e direitos de autor:

cpiciber-notasubrelatores-novoPL

É difícil de entender por quê os sub-relatores buscam agora tratar de como os direitos autorais vão valer na Internet no Brasil, um tema polêmico que já está sendo discutido em paralelo, a três dias da votação.

Durante a criação do Marco Civil o “lobby da indústria autoral” foi derrotado e a remoção de conteúdo por questões de direito autoral foi explicitamente deixada para a legislação de direito autoral vigente. Como contaram especialistas da Creative Commons Brasil e do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV em janeiro de 2014:

O projeto inicial [do Marco Civil] criava um sistema mediante o qual um conteúdo só pode ser removido da Internet em resposta a uma ordem judicial, em clara oposição a um sistema de notice-and-takedown. No entanto, concessões feitas a atores da indústria, encabeçados pelas Organizações Globo, estabeleceram uma exceção à regra: o esquema do Marco Civil não é aplicável nos casos de infração a direito autoral, cujas regras devem ser estabelecidas, determina o texto, na reforma do direito autoral.

A Reforma do Direito Autoral, por sua vez, vem sendo feita por setores do governo desde 2007, como relata o Estadão:

Foram feitos debates, seminários e consultas públicas até 2010. O anteprojeto da LDA foi e voltou do MinC para a Casa Civil,  ao menos três vezes. Versões do projeto se tornaram públicas apenas por meio de vazamentos. O último envio teria sido feito no início deste ano, mas nenhuma previsão de publicação foi feita até agora.

Durante a tramitação do Marco Civil da Internet, a “remoção de conteúdo pirata” teve uma “solução temporária” negociada pelo relator Alessandro Molon: “ser regulamentado depois […] pela Reforma da Lei de Direitos Autorais”, como registra a Revista Galileu. Na mesma matéria Demi Getschko, conselheiro do CGI.br, aplaude a estratégia: “A proposta não é mudar nada, é se proteger contra coisas ruins que podem ser feitas no futuro”.

Uma das maiores influências para subir a proteção aos direitos autorais no Brasil através do Marco Civil vem do Departamento de Comércio dos Estados Unidos (USTR), que publica anualmente o Relatório Special 301. Segundo o JOTA, “o documento avalia o nível de proteção à propriedade intelectual em diversos países do mundo e é usado pelo governo americano em negociações comerciais, inclusive com aplicação de restrições econômicas”.

Já em 2010, a Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA, na sigla em inglês) já demonstrava grande interesse em endurecer a proteção aos direitos autorais no Brasil, conforme mostra um relatório que a associação — que reúne órgãos dos EUA como a MPAA e a RIAA — enviou como insumo para o Departamento de Comércio elaborar seu Special 301 daquele ano. Como traduz e grifa Arakin Monteiro no artigo Reforma do Direito Autoral: tudo a ganhar, nada a perder!:

Execução penal: a APCM percebe que a pirataria na Internet não será a prioridade para a polícia, mas agradece o apoio de policiais de unidades especiais do cibercrime, tanto na polícia federal e estadual. Diversos processos penais foram realizadas em colaboração com a Polícia Federal e Polícia Civil contra os piratas da Internet que vendem DVDs piratas e aqueles que oferecem a venda de filmes pirateados através de redes sociais, como o Orkut. Atualmente, a APCM não está processando qualquer caso ilícito nas redes P2P, por causa das possíveis repercussões negativas com o público em geral e com o governo.

A Associação Antipirataria de Cinema e Música, na época, era o braço da MPAA (Motion Picture Association of America) no Brasil; extinta no ano passado, ela foi substituída pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP) como principal porta-voz da indústria da “propriedade intelectual” dos EUA no Brasil. Em 2012, a APCM tentava ligar a pirataria ao narcotráfico; em 2016, o FNCP tenta associar a pirataria à pornografia infantil.

SOPA/PIPA, ou quando a Internet parou o Congresso dos EUA

O deputado Leo de Britto (PT), contrário ao Projeto de Lei, mencionou a grande manifestação contra o SOPA e o PIPA, projetos do governo dos EUA para obrigar provedores de aplicação a remover conteúdos que violem direitos autorais de maneira célere.

Os protestos contra a aprovação dessas medidas, que colocariam em risco a liberdade de expressão e a própria existência de vários sites e comunidades online, teve seu clímax em 18 de janeiro de 2012, quando milhares de sites exibiram avisos de que a Internet estava em perigo incluindo Google, Mozilla, Twitter, WordPress e Tumblr. A Wikipedia em inglês “entrou em greve” e parou de disponibilizar conteúdo para seus milhões de leitores(as) e editores(as) nesse dia.

sopapipa

Uma audiência conturbada, interrompida pela Ordem do Dia

O prazo de término foi estendido pela terceira vez no dia 27 de abril, quando deveria ter acontecido a votação final. A Comissão estava sob a pressão de acusações de criar projetos de lei que vão censurar a rede — tanto através de medidas de remoção e bloqueio de conteúdo quanto por obrigar provedores de a adotar medidas de vigilância — mas o “gongo” que salvou a votação foi a Ordem do Dia, que suspendeu a CPI para que os(as) parlamentares fossem à Sessão do Plenário, que também conturbada e estendeu-se até a noite.

Para entender em que pé estamos até agora, vale ler o artigo da EFF, traduzido pelo IBIDEM: EFF explica as perigosas propostas contra o cibercrime no Brasil.

Especificamente sobre as mudanças entre a segunda e a terceira versão do relatório, o pequeno documento que a Coding Rights produziu para o Jornal da Ciência, da SBPC, resume bem: Novidades do Relatório III, problemas novos e persistentes. Você pode ver em detalhes o que mudou entre os Relatórios II e III nesta página.

Os Projetos de Lei criados ou apoiados pelo Relatório propõem mudanças significativas no Marco Civil — que passou por anos de debate no país e ganhou dimensão mundial, sendo aclamado pela comunidade técnica que desenvolve e mantém a Internet e inspiração para outros países.

Atividades na Câmara

Na última audiência, no dia 27, foram apresentados destaques (modificações que podem ser votadas separadamente) que podem remover os Projetos de Lei mais preocupantes do Relatório:

  • O deputado João Arruda (PMDB) fez pedidos separados de supressão dos PL’s 1.2 (mudanças no 154-A do Penal / invasão de dispositivo) 1.5 (remover cópia idêntica), 1.6 (bloqueio de conteúdos e aplicações por ordem judicial).
  • A deputada Alice Portugal (PCdoB) fez um “requerimento destaque de bancada”  pedindo também supressão do PL 1.6 (bloqueio de conteúdos e aplicações por ordem judicial)

Envolva-se!

Fora esta reviravolta com relação ao bloqueio de conteúdo, nossa pressão está funcionando mas precisa continuar. O PL de acesso a endereços IP foi retirado, mas entra em seu lugar a recomendação de um outro que já foi aprovado no Senado e teve sua tramitação iniciada na Câmara. A mudança do artigo 154-A, da “lei Carolina Dieckmann”, continua problemática. Outro PL “recomendado”, o PL 3237/15, expande a guarda de logs para toda pequena LAN house e ponto de acesso público wi-fi. A lista é grande.

A próxima audiência de votação do Relatório é na terça-feira, 3 de maio. Você pode acompanhar o debate público e as notícias sobre a CPI na nossa página especial CPICIBER e nas redes sociais, pela hashtag #CPICIBER (Twitter, Facebook). Informações oficiais da Comissão são sempre publicadas em sua página na Câmara dos Deputados.

Tags: , , , , , , , , , ,