Privacidade e Políticas Públicas

A inteligência de Bogotá está em seus olhos: câmeras de vigilância e a ideia da cidade inteligente

01/03/2016

Por Carolina Botero, Juan Diego Castañeda e Amalia Toledo, da Fundação Karisma | #Boletim13

De vez em quando, Bogotá é listada em um ranking de cidades inteligentes. Em 2004, ela ganhou a primeira edição do Prêmio de Cidades Digitais. Em 2011, por exemplo, constou da lista do XIII Prêmio de Cidades Digitais organizada pela Associação Ibero-americana de Centros de Investigação e Empresas de Telecomunicações (AHCIET). Em 2013, foi eleita uma das oito cidades inteligentes da América Latina em uma lista publicada pela revista Fast Company. No entanto, a promessa de uma cidade tecnológica entra em choque com os constantes protestos de seus moradores pelo péssimo funcionamento do sistema de transportes, pela demora por parte das autoridades para recolher o corpo de uma pessoa que morreu na rua ou pela negligência das mesmas autoridades para atender a um incêndio que durou vários dias e forçou a evacuação do centro da cidade. O que significa Bogotá ser uma cidade inteligente?

A ideia de usar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) para alcançar um ambiente urbano mais inclusivo, diversificado e sustentável é conhecida por vários nomes e se desenvolve mundialmente em torno do bem-estar dos cidadãos com o apoio da apropriação intensiva, produtiva e eficiente das TICs para o gerenciamento e o uso mais sustentável e racional do mesmo. Os setores que normalmente recebem uma injeção de tecnologia são, entre outros, os de tráfego, transporte público, segurança, infraestrutura de água e eletricidade e coleta de lixo. Além disso, os dados da vida urbana são coletados, mantidos, analisados e processados usando o software selecionado. É assim que ocorre a tomada de decisões, otimizando o gerenciamento das diferentes áreas da administração da cidade.

Desde 2007, as cidades, municípios, áreas metropolitanas e qualquer tipo de território ligado às TICs para otimizar o desenvolvimento da educação, da saúde, das atividades produtivas etc. têm sido chamadas na Colômbia de “Territórios Digitais“. A estratégia de Territórios Digitais foi desenvolvida em 2007 e 2008 em 25 locais, com um investimento do Ministério das TICs no valor de 22 bilhões de pesos. A esse investimento inicial foram adicionados 50 bilhões de pesos em 2015 como parte do projeto Vive Digital Regional. O contexto nacional possibilitou que esses projetos públicos para incentivar a apropriação das TIC resultasse, para muitos dos 1.023 municípios da Colômbia, na inclusão de programas, projetos e atividades de cidades inteligentes em seus planos de desenvolvimento. É possível que as cidades de Medelim e Bogotá estejam na dianteira. No entanto, existe uma reivindicação para a criação de uma nova política a esse respeito que aborde as novas realidades, a qual foi, em 2013, objeto de uma convocação nacional ampla que ainda não teve nenhum resultado até a presente data.

A Colômbia tem concentrado esforços em aumentar os níveis de acesso e penetração da Internet. Bogotá tem feito esforços semelhantes: A ETB, uma empresa que pertence principalmente ao distrito de Bogotá, oferece acesso gratuito à Internet em alguns pontos distribuídos por diferentes áreas da cidade. Foi também implantado o serviço de Internet em estações do serviço de transporte da cidade, ainda que com restrições de acesso a determinados serviços para garantir a largura de banda e bloquear o acesso a pornografia, racismo, violência e outros conteúdos considerados “prejudiciais para os demais usuários do serviço”.

Por outro lado, o Transmilenio, o maior sistema de transporte público de massa da cidade que conta com três cartões diferentes, permite gravar os dados do usuário em um deles para a obtenção de benefícios, como descontos, viagem a crédito e recuperação de saldo em caso de perda. Além disso, a empresa fez uma parceria com universidades e bancos para permitir que os cartões de débito ou de estudante forneçam acesso ao sistema. Não estão claros os tipos de dados coletados na entrada de uma estação com um cartão personalizado, de banco ou de universidade.

No entanto, há áreas nas quais se tem estimulado o uso de tecnologias para o gerenciamento da cidade: as de vigilância e segurança. De forma contínua, a cidade aposta no aprimoramento dessas áreas por meio do uso extensivo de câmeras de vigilância. A entidade responsável pela promoção desses programas é o Fondo de Vigilancia y Seguridad (FVS – Fundo de Vigilância e Segurança), criado há mais de trinta anos e que faz parte da prefeitura da cidade. O orçamento do FVS para 2015 foi de 179 bilhões de pesos. De acordo com o relatório anual mais recente, em 2015 foram instaladas 1.305 câmeras na cidade. Destas, 158 são de “definição ultra-alta” e foram instaladas em algumas vias principais, no estádio de futebol e no maior parque da cidade. Cerca de 180 câmeras foram também instaladas nas estações do sistema de transporte, 24 delas com capacidade de fazer reconhecimento facial e operadas a partir de um centro de controle independente.

A instalação de equipamentos de segurança, como leitores de impressões digitais, scanners de documentos de identidade nacional ou câmeras de vigilância públicas e privadas, faz parte da cultura do país. No entanto, devem ser considerados vários problemas relacionados aos sistemas que estão sendo implantados pela cidade, especialmente o de videovigilância.

Quando se trata do seu uso como medida de prevenção de crimes, os estudos sobre a eficácia das câmeras na dissuasão de atos criminosos e/ou na perseguição e captura dos culpados não são conclusivos. Isso não impede que se continue a usar os mesmos argumentos toda vez que se deseja destinar mais recursos à videovigilância. Por exemplo, o objetivo declarado da instalação de câmeras de alta resolução foi reduzir a percepção de insegurança, dissuadir os criminosos, ajudar na captura e julgamento dos mesmos e criar uma base de dados biométricos de criminosos conhecidos que operam no sistema de transporte. Ainda que consideremos os dados mais conservadores sobre o número de câmeras na cidade, segundo os quais há 500 câmeras instaladas das quais 263 não funcionam bem, a justificativa para o seu aumento é a mesma. O novo governo da cidade considera que as câmeras inibem os criminosos e ajudam as autoridades.

Por outro lado, existe a preocupação em relação à coleta indiscriminada de informações sobre as pessoas que respeitam a lei e ao potencial uso indevido das mesmas. Isso também leva a expor a relação custo-eficiência das medidas relacionadas a videovigilância. Não nos esqueçamos de que esses sistemas públicos de vídeo são adquiridos, mantidos e operados por fundos oriundos dos impostos pagos pelos cidadãos. Com relação a isso, os moradores de Bogotá não sabem como as imagens capturadas são usadas, por quanto tempo são arquivadas ou quais autoridades possuem acesso a elas.

As cidades inteligentes estão mais vulneráveis a hackers que os computadores e os celulares. As tecnologias não apenas devem ser funcionais para os objetivos que buscam atingir, mas também protegidas contra possíveis ataques criminosos. E é nisso que o planejamento muitas vezes falha. Em 2014, um investigador de segurança demonstrou que 200 milhões de sensores instalados em todo o mundo eram sensíveis a ataques. As informações transmitidas por esses sensores poderiam ser facilmente interceptadas em trânsito, pois a empresa desenvolvedora se esqueceu de criptografar os dados. Ainda mais preocupante é que todo o estímulo e confiança depositados nas câmeras de segurança não deixam os cidadãos suspeitarem das suas vulnerabilidades: na ocasião da elaboração deste artigo, o site Insecam, que adiciona câmeras IP que conservam suas senhas de fábrica, exibia uma lista de 124 câmeras em toda a Colômbia. Residências, escritórios, restaurantes e todos os tipos de locais privados estão expostos ao mundo por meio da Internet.

Os sistemas de videovigilância não são homogêneos. Existem vários tipos: câmeras estáticas, com visão panorâmica, móveis, que podem transmitir dados analógicos ou digitais, com ou sem fio. As imagens podem ser gravadas de maneiras diferentes e ter diferentes usos específicos, como a identificação de números de matrícula ou o reconhecimento facial. Além disso, são também diferentes os métodos de armazenamento e de manipulação de imagens relacionados com o tipo e a velocidade de monitoramento que conseguem realizar. Portanto, sua aquisição e uso requer um plano baseado em uma avaliação prévia da necessidade e proporcionalidade por meio de uma análise de riscos e de impacto.

Em uma tentativa de colocar o indivíduo no centro das preocupações dos sistemas de videovigilância cada vez mais em voga, e buscando respeitar o direito à privacidade, o Fórum Europeu para a Segurança Urbana redigiu a Carta de uso democrático da videovigilância. Esse documento apresenta alguns princípios que devem guiar a elaboração, funcionamento e desenvolvimento dos sistemas de vigilância pública por vídeo. Entre eles encontram-se os de legalidade, necessidade e proporcionalidade. Dificilmente, pode-se dizer que Bogotá possui um programa de videovigilância necessário e proporcional, quando um dos seus objetivos é cobrir 100% da cidade com esses dispositivos. A Carta também traz os princípios de transparência, responsabilidade, supervisão independente e participação dos cidadãos. Vale pensar nesses princípios como áreas onde o programa de vigilância tem todo um caminho a percorrer.

O uso da tecnologia pode distrair a atenção dos cidadãos em relação à busca de soluções reais para os seus problemas. As câmeras usadas indiscriminadamente de forma geral e sem propósito específico pretendem aumentar a “percepção de segurança” sem nada fazer para enfrentar as causas dos roubos ou homicídios que elas podem chegar a capturar. Além disso, essa solução é apenas um dos componentes dos pacotes de medidas aprovadas pelas administrações para gerar resultados com impacto midiático, ainda que pouco eficientes. O aumento das penas de prisão ou do número de policiais nas ruas são outras medidas que fazem parte desses pacotes e que, de forma empírica, pode-se dizer que pouco têm feito para resolver os problemas que buscam solucionar. Ao mesmo tempo, são introduzidos recursos de processamento de imagens — por exemplo, o reconhecimento facial — que são armazenados em bancos de dados e geram riscos à privacidade dos cidadãos.

A Fundação Karisma procura a adoção de boas práticas no uso de tecnologias, processos sociais e políticas públicas na Colômbia e na região. Para isso, trabalha em quatro linhas de ação: acesso ao conhecimento, intimidade e segurança, governança da Internet e inovação social, considerando os eixos fundamentais de gênero e liberdade de expressão.

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