Privacidade e Políticas Públicas
PLEspião segue tramitando no Congresso brasileiro
09/11/2015
Por Amarela | #Boletim12
No dia 5 de fevereiro de 2015 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 215/2015, de autoria do Deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), que tinha como objetivo aumentar a pena para crimes contra a honra praticados através das redes sociais. O projeto, que foi encaminhado apenas para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJC), ficou a cargo do Deputado Juscelino Filho, designado pela CCJC como relator. Nos meses seguintes, dois outros projetos foram apensados ao PL215: o PL 1547/2015, de autoria do Deputado Expedito Netto (SD-RO), e o PL 1589/2015, de autoria da Deputada Soraya Santos (PMDB-RJ).
Similar ao projeto do Deputado Hildo Rocha, o texto do Deputado Expedito Netto também tinha como foco colocar o uso da Internet como causa de aumento de pena para crimes contra a honra. Já o projeto da Deputada Soraya Santos, PL1589/2015, não só previa o aumento de pena como ia além. O texto trazia alterações radicais no Marco Civil da Internet, de modo a retirar a obrigação de ordem judicial para a requisição de dados pessoais, permitindo o acesso direto por parte da polícia ou do Ministério Público aos dados de conexão e navegação de usuários e usuárias. Além disso, também alterava o Marco Civil afim de garantir um certo “direito ao esquecimento”, possibilitando, através de requerimento judicial, a retirada de conteúdos da Internet que poderiam ligar o nome ou a imagem de uma pessoa a “crime de que tenha sido absolvido, com trânsito em julgado, ou a fato calunioso, difamatório ou injurioso”.
Apesar da aberração das propostas, o relator Deputado Juscelino Filho apresentou, em agosto, um parecer favorável a aprovação nos termos de um texto substitutivo, que aglutinava os três projetos, e deu início a tentativa de aprovação nas reuniões deliberativas da CCJC. O texto era um verdadeiro retrocesso no cenário da regulamentação do uso da Internet no Brasil, limitando direitos fundamentais e possibilitando a vigilância e a censura. Ainda assim, a cada reunião, existia a possibilidade de aprovação.
Mobilização e críticas ao projeto
Ao longo de quase dois meses, algumas mudanças foram feitas no projeto, mas talvez a versão mais extrema tenha sido a que consta no 5º parecer do Relator, que fez com que o projeto fosse apelidado de “PLespião”, devido ao teor vigilantista da proposta, e que desencadeou uma forte mobilização social. A hashtag #PLespião, que logo se tornou popular nas redes sociais, também virou o mote da campanha contra o projeto, sempre acompanhada de imagens, memes e gifs.
Entre os pontos mais críticos dessa versão, estavam a alteração dos §1º e 2º do artigo 10 do Marco Civil da Internet. O MCI, na contramão de algumas legislações mais protetivas da privacidade, prevê a guarda obrigatória de registros de conexão e, em alguns casos, registros de aplicação de usuários e usuárias na Internet. Ou seja, dados como quando e onde a pessoa se conectou, e que sites, apps ou programas a pessoa acessou na rede, devem ser registrados e guardados. No entanto, no texto do MCI, o acesso a esses dados só pode ser feito através de ordem judicial. O que essa versão do texto do #PLespião propunha, era alterar o Marco Civil para permitir o acesso direto aos dados por parte da polícia e do Ministério Público, sem a necessidade de autorização de um juiz.
Além disso, o #PLespião propunha, também, o acesso direto ao conteúdo das comunicações, ou seja, de emails, chats e conversas privadas que acontecem, por exemplo, no facebook, whatsapp e em ligações com vídeo e voz.
Outro ponto grave e bastante criticado dessa versão do projeto, foi a alteração do artigo 19 do Marco Civil, com a inclusão do §3º-A, que diz que qualquer pessoa poderá “requerer judicialmente, a qualquer momento, a indisponibilização de conteúdo que associe seu nome ou imagem a crime de que tenha sido absolvido, com trânsito em julgado, ou a fato calunioso, difamatório ou injurioso”. Esse “direito ao esquecimento” à brasileira, é uma prática perigosa que poderia ser usada por políticos para varrer da Internet denúncias feitas contra eles. Além disso, possibilitaria um revisionismo histórico com fortes implicações para a memória e a história do país.
Diversos atores da sociedade civil publicaram textos contrários ao projeto, como o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RIO, Intervozes/Carta Capital, o Instituto Beta para Internet e a Democracia (IBIDEM), PROTESTE, Actantes e Oficina Antivigilância. Além disso, uma carta de repúdio reunindo diversas instituições e coletivos, e uma nota técnica do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro também foram publicadas. Até o panda puto entrou na campanha, quebrando tudo contra a censura e vigilância.
Alterações no texto e mais mobilização
A mobilização surtiu efeito, freando e enfraquecendo o projeto, ainda que momentaneamente. Pressionados, alguns deputados quiseram saber mais e discutir mais o projeto antes de aprová-lo, e uma audiência pública foi convocada. O Relator também foi pressionado a fazer alterações no texto, e chegou a remover alguns pontos críticos, apesar de também incluir novas questões problemáticas.
Foram retirados do texto a possibilidade de acesso direto ao conteúdo das comunicações, assim como a menção direta a desnecessidade de ordem judicial para acesso aos dados de registro de conexão à Internet e acesso a aplicações.
No entanto, um grande revés: com o novo texto, todos os provedores de conexão à Internet e de aplicações online passaram a ter a obrigação de obter a qualificação pessoal, filiação, endereço completo, telefone, CPF e conta de e-mail (considerados como dados cadastrais) de usuários e usuárias, e repassá-los, sem ordem judicial, para autoridades que tenham atribuição legal para fazer o pedido. Isso significa que para postar coisas na Internet, as pessoas poderão ser obrigadas a preencher um cadastro com as informações acima, que estarão disponíveis e acessíveis para as “autoridades competentes”, sem a necessidade de uma autorização legal do juiz.
Entre vitórias, perdas e manobras, a mobilização continuou. Uma petição online contra o projeto de lei foi organizada, e em apenas um dia chegou a reunir 100 mil assinaturas. Diversos e-mails também foram enviados para deputados e deputadas, através do site plespiao.org.br. Tuitaços e bate-papos online foram organizados para debater as inúmeras versões do texto, e as implicações para a privacidade e liberdade de expressão.
No dia 1 de outubro, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) publicou um documento com uma série de recomendações em relação ao PL215 e seus apensos. No documento, o CGI afirma que os projetos subvertem os princípios fundamentais da Internet, “propondo estabelecer práticas que podem ameaçar a liberdade de expressão, a privacidade dos cidadãos e os direitos humanos em nome da vigilância, bem como desequilibrar o papel de todos os atores da sociedade envolvidos no debate”.
Já no dia 5 de outubro, pesquisadores e pesquisadoras do InternetLab, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio (CTS FGV) e do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPoPAI/USP), enviaram nota técnica para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputado (CCJC). Na análise detalhada e crítica, há a preocupação com a criação de conceitos jurídicos ambíguos e que colidem com as discussões feitas durante a tramitação do Marco Civil da Internet no Congresso Nacional; com a velocidade de tramitação do projeto na Câmara, e a insuficiência de diálogo com atores sociais envolvidos no debate público do tema em discussão; e, ainda, com o enquadramento legal das questões endereçadas pelo projeto.
Aprovação na CCJC
Apesar do amplo debate que a mobilização conseguiu gerar, envolvendo diversos setores da sociedade e difundindo a importância da proteção dos dados pessoais, o #PLespião foi aprovado no dia 6 de outubro, na CCJC, e agora pode, a qualquer momento, ser colocado em votação no plenário da Câmara dos Deputados. Se for votado e aprovado na Casa, o projeto segue para apreciação do Senado.
Confira na imagem a relação dos que votaram a favor da aprovação (verde) e contra (vermelho).
Os principais problemas do texto aprovado são 1) o direito ao esquecimento, mantido no texto pelos deputados e deputadas; 2) a obrigação, por parte dos provedores de conexão e aplicações, da coleta de dados pessoais considerados como dados cadastrais (qualificação pessoal, filiação, endereço completo, telefone, CPF e conta de e-mail), e a disponibilização desses dados, sem ordem judicial, para “autoridades competentes”; 3) a inclusão de um tipo penal no Marco Civil.
E agora, o que fazer?
A campanha contra a aprovação do projeto, no entanto, continua, e agora conta com visibilidade e apoio internacional. A Electronic Frontier Foundation (EFF), por exemplo, incluiu a campanha em seu centro de ações, e possibilita o envio de tuítes diretamente para deputados e deputadas. Além da EFF, você também pode ajudar e fazer a diferença na luta pela privacidade e contra a vigilância e a censura na Internet. Saiba como fazer:
- Use suas redes sociais para contatar deputados e deputadas e pedir que o projeto não seja aprovado. Diga não ao #PLespião.
- Encha a caixa de entrada de deputados e deputadas com mensagens em favor da nossa privacidade e liberdade de expressão.
- Utilize todos os canais de comunicação: mande sua mensagem através do “fale com deputados” no site da Câmara.
- Crie imagens e poste em nosso tumblr, depois ajude a espalhar a campanha nas redes sociais.
- Utilize as Hashtags:
- #PLespião
- #ContraPL215
- #PL215
- #MeusDadosSaoMeus
- #MeusDadosMinhasRegras
Tags: Amarela, boletim12, campanha, congresso, lei, marco civil, panda puto, plespiao, projeto de lei, retenção de dados
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