Arte e Ativismo, Oficinas Antivigilância, Oficinas e Ferramentas
Expondo o invisível: táticas de investigação e proteção antivigilância
09/11/2015
Por Natasha Felizi e Joana Varon | #Boletim12
O campo do trabalho investigativo está em transformação. O acúmulo de dados ao alcance do público empoderou jornalistas, pesquisadores e cidadãos com subsídios para outras maneiras de expor e narrar questões importantes. Mas, quanto mais aprendemos a acessar a utilizar essas informações para questões sensíveis, sejam políticas ou não, maiores são os riscos que corremos. O poder da vigilância, que analisa nossos passos digitais, pode não só obstuir caminhos, como também trazer uma série de ameaças digitais, legais e físicas.
Pensando nisso, a Coding Rights mobilizou a equipe do projeto Oficina Antivigilância e uniu-se à Tactical Technology Collective, Abraji, Conectas e Lavits para promover dois encontros dedicados ao debate da questão da privacidade nos campos do jornalismo investigativo e do ativismo. Por um lado, o campo do jornalismo investigativo consiste em encontrar, compilar, cruzar, analisar e apresentar dados para expor uma história. Mas, por outro, é necessário que tanto jornalistas trabalhando com temas sensíveis quanto ativistas políticos saibam como proteger dados sobre suas identidades e comunicações em situações que possam colocar seu trabalho ou sua vida em risco.
Os eventos aconteceram no dia 26 de outubro no Olabi, Rio de Janeiro, e no dia 28 no Cebrap, em São Paulo. Em cada uma das cidades foi organizada uma oficina de segurança digital e um debate sobre táticas de jornalismo investigativo, tendo como ponto de partida a exibição de um dos curtas de documentário da série Exposing the Invisible.
A oficina de segurança digital
Durante a oficina, recorde de público de todas as experiências da equipe do Antivigilância, foi desenvolvido um raciocínio sobre segurança digital centrada no entendimento de como funciona a rede. Partiu-se da desmitificação da ideia de nuvem para entender a arquitetura da infraestrutura da rede. Ou seja, quais são os processos técnicos e os intermediários que viabilizam e participam de todo o fluxo das nossas comunicações. Diante deste entendimento, foi possível explorar qual o potencial de risco à preservação do sigilo das comunicações de acordo com cada situação, considerando quem comunica com quem, o que é comunicado, e em que ambiente jurídico-institucional a comunicação ocorre.
O entendimento metodológico da equipe da Tactical Tech, representada por Andrea Figari, e da equipe da Oficina Antivigilância é de que a abordagem de ferramentas de proteção só tem sentido com o conhecimento sobre o fluxo das comunicações e raciocínio instrumental pra viabilizar uma análise do modelo de ameaça para cada situação. Isso porque, com a evolução das tecnologias e dos estudos de criptografia, as ferramentas sempre mudam, mas a lógica de avaliação permanece. No movimento pela conscientização do valor da privacidade na era digital e pela ampliação do uso de criptografia e de medidas de segurança, fomentar este tipo de raciocínio sistêmico é mais sustentável do que apenas oferecer ferramentas. Por isso, os instrumentos e técnicas necessárias para navegar pela internet com mais segurança – tais como o gerenciamento de identidades virtuais e senhas, ferramentas de encriptação para discos rígidos, emails e mensagens de texto, áudio e vídeo, navegação anônima usando Tor e VPN – foram apresentadas apenas na última sessão da oficina.
A segurança digital e o jornalismo de dados
No documentário “Nossa Moeda é a Informação” (Our Currency is Information), o jornalista Paul Radu conta como foi possível expor redes internacionais de crime e corrupção através de informações disponíveis online e off-line. A exibição-debate, produzida por Natasha Felizi, foi aberta ao público e seguida de uma conversa com o jornalista convidado Leandro Demori. Demori é jornalista investigativo especializado em máfia e investigação web. Atualmente trabalha em seu primeiro livro-reportagem, uma biografia do mafioso italiano Tommaso Buscetta, que será lançado no Brasil pela Companhia das Letras e é editor do Medium.
Saiba mais mais sobre os temas debatidos durante os eventos no Rio e em São Paulo na entrevista abaixo:
Quais os principais desafios em produzir dados sobre a vigilância e trazer à tona algo que é pensado para ser invisível?
Leandro Demori – A maioria das empresas de vigilância são privadas, tirando as estatais. Essas empresas, sejam as de vigilância digital ou as que vendem programas de segurança para militares em zona de guerra, são privadas e estão muitos passos à nossa frente, estão usando sistemas que a gente nem conhece. No próprio caso da NSA, quando começaram os vazamentos, vimos que não se tratava de um único programa, mas de dezenas de programas intrincados, um verdadeiro minhocário. Então, se você vai investigar uma empresa como essa, não dá pra ficar acessando o site delas com seu IP, sem usar o Tor, porque os caras vão perceber, te espionar, querer saber quem você é. Mas pra ir atrás dessa questão de vigilância na Internet, acho muito difícil que jornalistas consigam fazer sem a ajuda de algum “insider”. Essa figura é fundamental, como foi no caso do Hacking Team, da NSA com o Snowden, da pessoa que vazou os dados do Offshore Leaks, que até hoje não sabemos quem é. Em todos esses casos, os sistemas são super fechados e foi preciso alguém de dentro pegar os dados e colocar na mão de jornalistas pra transformar aquilo em informação acessível.
Sem esses “insiders”, acho bem difícil conseguir atingir empresas de vigilância, porque esses caras devem estar fazendo muita coisa ilegal. As coisas podem até ser legais parte a parte, mas no todo têm um propósito ilegal de abuso de direito. Mas pra gente saber, só com alguém dentro querendo colaborar.
Então você acha que fortalecer redes e plataformas de vazamentos de dados deve ser parte das estratégias de ativismo?
Leandro Demori – Com certeza. Como jornalistas, podemos fazer o que estamos fazendo aqui, nos reunir, debater, fazer o assunto ganhar publicidade. De repente, com isso, alguém que esteja dentro de uma instituição financeira ou de espionagem comece a pensar sobre isso. Muita gente nunca nem parou pra pensar nisso, né?
O mercado financeiro tem um aspecto legal, tudo é permitido. Existem as normas e elas existem pra que as coisas aconteçam. Aí o cara começa a trabalhar ali e vê dinheiro, vê uns financistas, caras em quem eles se inspiram e não param pra pensar se emitir aqueles “bonds” vai fazer alguém se ferrar. As pessoas não trabalham nessas empresas por maldade, trabalham dentro de um sistema que é “legal”. No caso do Swiss Leaks, foi uma crise de consciência do cara vendo que ali tinha dinheiro de máfia, dinheiro com sangue. Então a gente, como jornalista, tem um pouco essa função de fazer publicidade e ver se pesca alguém de dentro. Em geral, a gente fica de mãos amarradas porque tem uma barreira separando a gente dessas pessoas.
Como lidar com a questão da privacidade do seu alvo em um processo de jornalismo investigativo ?
Leandro Demori – Eu sou cara de pau, mas não o mais cara de pau. Sempre fui um jornalista mais “low profile”, procuro respeitar a privacidade. Mas quando a vida privada passa a ser beneficiada por algo ilegal, acho que deixa de ser privada. Porque todo caso de corrupção está ligado a algum usufruto para a vida privada, seja dinheiro, viagem, influência. Então se o cara compra um carrão com dinheiro que não era dele, que foi lavado por alguém, a questão deixa de ser pessoal. Claro que não vou entrar em questão de gênero, raça, cor, não interessa. Mas se o cara fez uma viagem com a esposa para Paris no momento em que estava sendo procurado pela Justiça, isso não é privado, é público. É um fato real que aconteceu nesta matéria que eu estou fechando. No momento em que o oficial de justiça estava procurando o sujeito para ser citado no processo, ele não é encontrado e está em Paris vendo o show de Caetano e Gil, isso não é privado, é bem claro. Acho que se olharmos de um jeito jornalístico, não é tão difícil saber o que é vida privada e o que é de interesse público. Acho que tem uma relação bem clara aí.
Que cuidados você toma com a sua privacidade quando está fazendo essas investigações?
Leandro Demori – Eu basicamente uso o Tor para alguns casos específicos. Trabalho com um jornalismo que cruza caminhos de empresas que estão fazendo algo ilegal, ou sendo usadas pra fazer algo ilegal como lavagem de dinheiro. Os webmasters dessas empresas têm o controle dos IPs que acessam o site, então se entro vinte vezes naquele site, eles vão começar a perceber. Mesmo que não saibam que sou eu especificamente, vão saber a localização aproximada, a língua. Com isso não fica muito difícil identificar alguém. Já vi isso acontecer, gente que foi procurada em seu bairro, quarteirão. Então, pra esses casos que envolvem acessar muito o site de alguém, uso o Tor.
Se preciso falar com alguém que não tem experiência com criptografia, uso coisas mais simples, como o Cryptocat. Falo pro cara baixar, abro uma sala e pronto.
Até pouco tempo atrás eu usava o Skype, mas tá perigoso. E depois que o Whatsapp foi vendido, não uso mais pra trabalho. Usei muito tempo o Telegram, mas também não confio muito. Pra envio de documentos por email, uso o Hushmail, que se autodestrói depois. Aí tem técnicas mais avançadas que sei usar, mas acabo não usando, como esconder documentos em imagens, ou usar imagens como senhas pra arquivos transportáveis. Acho legal saber como usar porque, se precisar, não fico na mão.
Por muito tempo, acreditamos que as empresas privadas que oferecem serviços na internet protegeriam nossos dados. Hoje, sabemos que isso não acontece. Os episódios da NSA chamaram a atenção para como a maiorias dessas empresas colaborou e colabora com o governo americano e outros governos, então temos que aprender a nos proteger por conta própria.
O que você pensa sobre novos modelos de negócio no jornalismo investigativo que podem ser seguidos?
Leandro Demori – Acho que nunca estivemos tão bem na história da humanidade em produção e distribuição de conteúdo, isso tá quase resolvido. Eu distribuo conteúdo diretamente via Twitter para 3 mil pessoas, coisa que há dez anos não fazia. É claro que essas empresas de tecnologia trabalham com nossos dados e viramos mercadoria, isso é uma discussão importante. Existem esses canais e ainda estamos buscando como pagar por isso.
Acho que os jornais grandes irão diminuir, porque é democraticamente inaceitável que sejam tão grandes e o mercado está impondo que diminuam.
Também acho legal essas iniciativas que envolvem comunidades locais, como o projeto dos Jornalistas Livres, por exemplo. Eles conseguiram reunir pessoas em torno de alguns ideais que se tornaram fãs daquele grupo e começaram a contribuir. É um modelo legal, mas que ainda precisa evoluir para ser mais técnico e menos político. Acho legal que tenhamos criado pequenos movimentos, como os Jornalistas Livres ou o Brio para tratar de microclimas, as questões locais. Agora, eu acho que é a hora de ser mais jornalista e menos político, sabe? Porque qualquer investigação de corrupção, por exemplo, provavelmente, vai afetar até mesmo pessoas de partidos com quem simpatizamos. Nesse momento, deve prevalecer a técnica jornalística, de investigação neutra. Tenho essa visão. Sei que tem gente que discorda e acha que tem que ser ativista. Eu acho que não, mas é um debate aberto.
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Interessou? Seguem referências de alguns materiais dos parceiros da Tactical Tech utilizadas nessas oficinas de segurança digital e no debate sobre táticas de jornalismo investigativo: Security in a Box; Me and my shadow (em Inglês) e Exposing the invisible (em Inglês). Você também pode acompanhar mais o tema nos twitters do Oficina Antivigilância e da Tactical Tech.
Tags: abraji, cebrap, coding rights, conectas, cryptocat, exposing the invisible, Joana Varon, jornalismo, jornalismo investigativo, lavits, leandro demori, medium, Natasha Felizi, oficina, olabi, tactical tech, Tor, vpn
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