Privacidade e Políticas Públicas

Vigilância da NSA no Brasil: Dilma disse que não tem. Lei de proteção de dados pessoais? Não tem também!

10/07/2015

Por Joana Varon | #Boletim11

Poucos dias após o retorno da visita da presidente Dilma aos EUA, o wikileaks publicou mais uma série de revelações dos arquivos de Edward Snowden, desta vez, listando  nomes de funcionários de nível ministerial do governo brasileiro cujos números telefônicos foram interceptados pela NSA.

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A Carta Capital e a Pública publicaram os documentos em primeira mão e destacaram que entre a lista de telefones espionados constavam 10 nomes de pessoas que na época ocupavam cargos próximos à Dilma e, na maioria das vezes de, nível ministerial, em posições de relevância diplomática, econômica e financeira. É o caso de Antônio Palocci, então chefe da Casa Civil; o ex-chefe de gabinete do Ministério da Fazenda Marcelo Estrela Fiche; o embaixador Luís Antonio Balduíno Carneiro, que em 2011 era diretor do Departamento de Assuntos Financeiros do Itamaraty e hoje atua como diretor da Secretaria de Assuntos Internacionais do ministério da Fazenda; a procuradora-geral da Fazenda, Adriana Queiroz de Carvalho; o atual embaixador brasileiro nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que na época era diretor do Departamento de Meio Ambiente e temas especiais do Itamaraty; e o subsecretário de Relações Internacionais, Fernando Meirelles de Azevedo Pimentel. No caso de Pimentel, a NSA apontava que o interesse em espioná-lo era “Multi-países: desenvolvimentos financeiros internacionais”.

Também entrou na mira o celular do assistente da presidenta, Anderson Dornelles. Nem mesmo o avião presidencial, que tem telefone via satélite da empresa britânica Inmarsat, escapou.

No momento da divulgação, Julian Assange ressaltou:

“Nossa publicação de hoje mostra que os EUA têm um longo caminho à frente para provar que a sua vigilância massiva em países ‘amigos’ realmente acabou. Os EUA não só espionaram a presidente Rousseff mas também figuras-chave com quem ela fala todos os dias. Mesmo se as promessas dos EUA de que deixaram de espioná-la forem dignas de confiança – e não são – é impossível imaginar que Rousseff possa governar o Brasil falando apenas consigo mesma. Se a presidente Rousseff quer receber mais investimentos no Brasil após sua recente visita aos Estados Unidos, como ela pode garantir às empresas brasileiras que a concorrência americana não obterá vantagens provenientes dessa vigilância até que ela possa realmente comprovar que a espionagem cessou? E não apenas sobre ela, mas sobre todos os alvos brasileiros.”

Mas a presidenta, que em 2013 cancelou sua visita aos EUA ao saber que seu telefone estava sendo grampeado, desta vez apenas respondeu: isso é coisa do passado.

A situação política e econômica do Brasil em 2013, que viabilizou uma resposta forte em vários órgãos das Nações Unidas, da União Internacional de Telecomunicações, ao Conselho de Direitos Humanos, UNESCO e até Assembléia Geral, também é coisa do passado. Agora a presidenta se preocupa mais em refazer os laços com o governo americano para garantir investimento estrangeiro do que defender árduamente o tema da privacidade.

Acontece que, se por um lado, até hoje organizações da sociedade civil americana (e dos chamados “5 eyes”) lutam para pedir transparência, devido processo e fiscalização do sistema de vigilância para os cidadãos americanos, o que nos faz pensar que esse tipo de prática diante de cidadãos estrangeiros teria mudado tão radicalmente? A Electronic Frontier Foundation (EFF), por exemplo, publicou uma linha do tempo denominada “Linha do Tempo da Espionagem Doméstica da NSA”. Como desconsiderar isso, ainda mais em se tratando claramente de alvos cujo o interesse de espionagem só pode ser econômico? Neste ponto, Assange está certo: ainda há muito a se provar para poder afirmar que espionagem americana das comunicações para fins comerciais seja coisa do passado.

Por outro, cabe lembrar que o Brasil nem mesmo atendeu aos standards de proteção à privacidade que anda advogando nos fóruns internacionais. Ao contrário de vários vizinhos da América Latina, o país nem mesmo tem uma lei de proteção de dados pessoais. De fato, o prazo da segunda consulta pública para um anteprojeto de lei sobre o tema terminou no mesmo final de semana em que a presidenta Dilma teve que responder às revelações do Wikileaks. Agora, assim como aconteceu com o Marco Civil da Internet, precisamos que o executivo tome este projeto como prioritário.

Se a situação política obrigou uma mudança no tom da presidenta, que voltou anunciando 22 acordos com os EUA, ainda assim, há que se ter coerência doméstica com a pauta internacional de proteção à privacidade. Leis claras sobre o uso de dados de consumidores é de suma importância até mesmo se o objetivo principal da presidenta seja a promoção de áreas estratégicas para a economia, como a àrea de TICS, o que demonstrou ao visitar grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício.

Além do que, observando a lista de acordos agora disponível no site do MRE, percebe-se, por exemplo, um acordo com o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos, particularmente a agência de fiscalização de aduana e o Ministério da Fazenda, via Secretaria da Receita Federal, e outro acordo com a NASA e a Agência Espacial Brasileira para monitoramento ambiental.

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Todos estes acordos envolvem transferência de infra-estrutura de processamento de dados e desenvolvimento e uso de tecnologia da informação em comum.

Independente do mérito, já se sabe, por exemplo, que a Receita Federal monitora redes sociais. Para que este órgão possa associar-se com práticas de monitoramento que o governo americano utiliza para questões de terrorismo, é necessário que cidadãos brasileiros tenham alguma garantia, ao menos no papel, de que seus direitos não serão violados. Torna-se evidente, portanto, que uma lei de proteção de dados pessoais, que permite que cidadãos tenham controle sobre como suas informações são utilizadas por organizações, empresas e pelo governo, é requisito mínimo.

À sociedade civil organizada cabe ampliar os canais de diálogo com o executivo para ajudar a resolver os pontos críticos apontados na consulta, visando chegar a acordos – que não serão simples – entre os diversos grupos interessados. Não se pode deixar que, assim como houve após da primeira consulta, o tema caia em esquecimento.

Vale então, diante de todo este contexto, solicitar também que o tema seja uma prioridade nas pautas do governo. Precisamos que, assim como no caso do Marco Civil, um contexto complicado nos sirva para mudanças e uma resposta positiva. Mas, para isso, temos que pedir a presidenta que leve o APL debaixo do braço. Fica então aqui um convite à comunidade da rede do Antivigilância, e redes conexas,  para escrevermos uma carta ao Ministério da Justiça/Presidenta a fim de expressar a urgência e prioridade para levar adiante este debate.

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