Privacidade e Políticas Públicas
Anonimato e eleição do relator especial de privacidade trazem políticas de Internet para o Conselho de Direitos Humanos da ONU
10/07/2015
Por Joana Varon | #Boletim11
Dois nomes se destacaram no que diz respeito à privacidade durante a 29 sessão do Conselho de Direitos Humanos de ONU: Joseph Cannataci e David Kaye.
Joseph Cannataci foi apontado, no último dia da sessão, que durou de 15 de junho à 3 de julho, como o primeiro relator especial da ONU para o direito à privacidade. Seu mandato tem origem na resolução 68/167, denominada Privacidade na Era Digital. Aprovado em dezembro de 2013, o texto foi impulsionado principalmente pelo Brasil e Alemanha, depois de que revelações de Edward Snowden apontaram para grampos nos telefones das presidentes de ambos os países.
Desde então a resolução teve algumas revisões aprovadas até que, em março deste ano, uma nova versão apontou a necessidade de se criar um mandato para um relator especial para o direito à privacidade pelo período de três anos, destacando a importância da proteção da privacidade para os direitos humanos fundamentais.
De acordo com a resolução, fazem parte do mandato do relator: a) recolher, receber e produzir informações relevantes sobre legislações e práticas no nível nacional e internacional, bem como estudar tendências, desenvolvimentos e desafios ao direito à privacidade para fazer recomendações que assegurem sua promoção e proteção, incluindo considerações que emergem com as novas tecnologias; b)trabalhar colhendo e compartilhando informações sobre o tema entre Estados, agências do sistema ONU, mecanismos de direitos humanos regionais, instituições nacionais de proteção de direitos humanos, organizações da sociedade civil, setor privado e qualquer outro grupo interessado; c) identificar e promover princípios e melhores práticas e submeter propostas ao Conselho de Direitos Humanos sobre o assunto, em particular, sobre os desafios da era digital; d) participar em eventos internacionais relevantes visando promover uma aproximação coerente e sistemática ao tema; e) promover sensibilização sobre o tema, bem como para a importância de se encontrar formas de remediar, em coerência com as obrigações internacionais de direitos humanos, aqueles que tenham tido seu direito à privacidade violado; f) Integrar a perspectiva de gênero ao tema; g) reportar sobre possíveis violações e g) submeter um relatório anual para o Conselho de Direitos Humanos e para a Assembleia Geral da ONU.
Cannataci foi apontado depois de uma disputa acirrada, pois, o presidente da sessão, o alemão Joachim Ruecker, optou por não apontar a estoniana Katrin Nyman Metcalf, que havia sido listada como primeira opção pelo Grupo Consultivo, e apontar o segundo candidato. O presidente argumentou que Estados e representantes da sociedade civil haviam apresentado preocupações sobre as qualificações de Metcalf para o mandato.
Um biografia completa de Cannataci está disponível aqui.
Estivemos presentes durante parte da sessão e, em nome da Coding Rights, organização que agora é a gestora do projeto do Oficina Antivigilância, entregamos, em parceria com a Privacy International, uma carta de boas vindas assinada por várias entidades da sociedade civil, apontando alguns temas para consideração no decorrer de seu mandato, bem como nos colocando à disposição para eventuais consultas.
David Kaye, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, apresentou seu relatório sobre a importância da encriptação e anonimato para a liberdade de expressão.
O Oficina Antivigilância, em parceria com a ONG Derechos Digitales, a WebWeWant, campanha da WebFoundation, apresentou uma contribuição baseada em uma pesquisa que rodamos entre parceiros da América Latina. Renata Ávila, da WebWeWant fez um post resumindo os pontos chaves na nossa contribuição na newsletter Digital Rights.
Todas as contribuições recebidas, bem como o relatório final da consulta estão disponíveis aqui.
O relatório de Kaye é paradigmático ao apontar que “encriptação e anonimato proporcionam a privacidade e a segurança necessária para o exercício da liberdade de opinião e expressão na era digital.” (…) Por essa razão, “restrições na encriptação e anonimato devem ser estritamente limitadas de acordo com os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e legitimidade no objetivo.”
Tomando essa premissa, o rapporteur recomenda, entre outras coisas, que os “Estados que encriptação forte e anonimato,” de maneira em que “legislações nacionais devem reconhecer que individuos são livres para proteger a privacidade de suas comunicações digitais pelo uso de tecnologias de encriptação e ferramentas que permitem o anonimato online.” E ressalta que inclusive o acesso à essas ferramentas e tecnologias deve ser promovido. Segundo Kaye, as discussões sobre encriptação e anonimato tem sido polarizadas no discursso sobre seu potencial uso criminal, mas que o debate precisa mudar para destacar também a proteção que a encriptação e o anonimato proporcionam, principalmente para grupos que vivem em situações de risco de interferências ilegais de suas comunicações.
As recomendações também ressaltam que “Estados devem evitar quaisquer medidas que enfraqueçam a segurança de indivíduos online, como utilização de backdoors, enfraquecimento de padrões de criptografia e “key scrows”. Além de que, também devem evitar tornar a identificação de usuários uma condição para o acesso à comunicações digitais e serviços online, assim como evitar requerer registro mandatório de SIM cards para usuários de telefones celulares.”
Kaye também ressalta que empresas devem ter um papel e rever suas práticas, de acordo com princípios como os “Guiding Principles on Business and Human Rights, entre outros. Bem como devem-se “evitar bloquear or limitar a transmissão de comunicações criptografadas e permitir comunicações anônimas.” E, por fim, ressalta o papel da sociedade civil em encorajar e ensinar o usos dessas ferramentas e pressionar para a adoção de criptografia por design e por default.
Enquanto organizações da sociedade civil tem recebido o texto muito bem, a apresentação do relatório não foi tão apreciada pelos Estados membro.
De fato, trata-se um tema polêmico para a geopolítica do sistema ONU, pois, enquanto países autoritários batem no relatório pelo viés do anonimato e a liberdade de expressão, cumprimentam o relator por defender o tema da criptografia em um contexto de vigilância massiva. Enquanto que, países como os EUA, UK e demais dos chamados “5 eyes” criticam fortemente a defesa da encriptação.
No caso do Brasil, surpreendentemente, o que pesou na balança foi o contexto da vigilância e o relatório foi bem recebido. Ainda que o país proiba o anonimato no contexto da liberdade de expressão. Destaca-se da fala do Brasil, diante da apresentação do relatório: “vemos valor em discutir a relevância de ferramentas de encriptação e anonimato para a proteção da privacidade e da liberdade de expressão e opinião de indivíduos.”
O próximo tema do relator será whistleblowers, para o qual o relator também abriu um chamado para contribuições.
Tags: boletim11, david kaye, direitos humanos, Joana Varon, joseph cannataci, ONU, privacidade, relator
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