Privacidade e Políticas Públicas

Brasil levanta o tema da privacidade na Conferência Pleniponciária da UIT

13/12/2014

Por Joana Varon

A Conferência Plenipotenciária da União Internacional de Telecomunicações, que acontece a cada quatro anos, é a reunião mais importante desta Agência especializada do Sistema ONU dedicada a políticas e padronizacões na área de Telecomunicações.

Na primeira semana da reunião, entre 20 de Outubro e 7 de Novembro, em Busan, Coréia, foram realizadas eleicões dos países que compõe o Conselho, bem como de novos diretores e do próximo Secretário-Geral. O chinês Houlin Zhao, que atualmente é Deputy Secretary-General, foi eleito Secretário-Geral. O Brasil foi eleito como membro do Conselho, sendo o país mais votado pela região. Além das eleições, o conferência tem o mandato para rever o plano estratégico e financeiro da UIT para os próximos anos, mas também estão na agenda propostas de novas resoluções ou de emendas das existentes, atualizadas em 2010, em Guadalajara.

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Parte das resoluções em debate tocam em questões de arranjo institucional, principalmente: ações para melhorar a transparência da Agência, possibilitar o acesso a documentos ou a grupos de trabalho para além dos membros, o encorajamento a participação multisetorial nos processos da agência, o papel da UIT na implementação dos resultados da Cúpula da Sociedade de Informação e no sistema de governança de internet.

Outra parte trata de questões substantivas sobre as políticas internacionais da agência ao lidar com as tecnologias de informação e comunicação, como: uso do spectrum, monitoramento global de vôos, proteção do consumidor de serviços de telecomunicações, uso das TICs em situações de emergência, redes de nova geracão (NGN), capacitaçao de países em desenvolvimento, etc. Dentre estes e outros temas, também estão em debate uma série de resoluções que dizem respeito especificamente à internet, principalmente sobre o papel da UIT nas politicas públicas internacionais que lidam com a rede, custos de conectividade, estabelecimento de IXPs (internet exchange points) e o papel da União em estabelecer confiança e segurança no uso das tecnologias de informação e comunicação.

Quem tem o mandato para representar o Brasil na União Internacional de Telecomunicações é a Anatel. Mas a delegação brasileira foi composta também por representantes do Itamaraty, do Ministério das Comunicações e do Comitê Gestor da Internet. Além disso, como a reunião não é aberta para observadores, e o Brasil é aberto à participacão multisetorial, representantes de empresas do setor e da sociedade civil, como no meu caso, também participaram como parte da delegação.

As posições brasileiras foram construidas a partir de uma série de 15 reuniões preparatórias organizadas na Anatel desde setembro de 2013. No total, o Brasil apresentou 46 propostas interamericanas, ou seja, acordadas no âmbito da Comissão Interamericana de Telecomunicacões (CITEL) e defendidas em conjunto pela região, e mais 6 propostas, entre elas, uma proposta de emenda da resolução 130, sobre cibersegurança.

Analizando as propostas brasileiras, em sua maioria, elas atendem aos princípios gerais do Marco Civil da Internet e ao disposto no capítulo que diz respeito à atuação do Poder Público no desenvolvimento da internet no Brasil. Ou seja, o fomento ao acesso universal,a promoção da interoperabilidade entre sistemas, a publicidade e disseminação de dados e informações públicos, bem como a promoção da segurança da rede e do direito à privacidade.

De fato, a defesa da privacidade foi destaque na fala de abertura do Brasil, na qual o representante da Anatel, Jeferson Fued Nacif, ressaltou parte da fala da presidente Dilma na Assembléia Geral da ONU sobre os princípios regentes do Marco Civil, citou a importância do processo do NETMundial e destacou que, alinhado a esses precendentes, o Brasil irá “continuar como ator ativo no apoio ao direito à privacidade” e de uma “regulação responsável que assegure uma Internet livre e neutra, que sirva aos interesses de manutenção da paz, conectividade e circulação de informação.” Por fim, dando peso na proposta brasileira de emenda da resolução 130, sobre “fortalecer o papel da UIT em reforçar a confiança e segurança no uso das TICs”, destacou que, neste contexto, a cibersegurança é uma assunto sensível, que envolve várias agências e participação multisetorial, mas que a UIT definitivamente tem um papel.

Desde as revelações de Snowden, o direito à privacidade tem sido pauta recorrente da política internacional do Brasil nos diferentes foruns e agências do sistema ONU, particularmente na Assembléia Geral, Conselho de Direitos Humanos, UNESCO, Fórum de Governanca da Internet e agora na UIT. O que, obviamente, não agrada aos EUA, aos representantes de suas empresas de TI e nem aos outros países dos chamados “5 eyes”. Sendo assim, evidentemente que as discussões sobre a resolução 130 e outras propostas de resoluções que mencionam o direito à privacidade sofreram grande oposição por parte desses países.

O argumento utilizado por eles tem sido de que não é papel da UIT tratar deste tema. Ignorando que a UIT, em coordenação com outros órgão do sistema ONU, já tem várias iniciativas em andamento na área de cibersegurança, tal argumento também desconsidera a premissa do documento do NETMundial de que direitos humanos devem balizar toda a governanca da rede, pois, considerando que até mesmo os cabos tem sido alvo das práticas de vigilância em massa, fica difícil imaginar que a discussão sobre privacidade não atinge também questões de infra-estrutura.

Por outro lado, não se pode ignorar que existiam sim propostas de alguns países, como Rússia e países árabes que pretendiam ampliar o papel da UIT. Foi o caso também da proposta indiana, que pretendia que a agência começasse a tratar do sistema de nomes e números, hoje de competência da ICANN.

Como resultado final deste cabo de guerra, pouco se avançou em inserir menções à privacidade nos textos das resoluções, apesar de que uma nova versão da resolução 130 tenha sido aprovada

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