Privacidade e Políticas Públicas
Cartão multifuncional, mais um passo na direção da cidade inteligente
01/03/2016
Por Valeria Milanes | #Boletim13
Em 2015, a área de Privacidade da Associação pelos Direitos Civis teve a possibilidade de explorar a investigação de técnicas de Big Data, o uso de algoritmos para a tomada de decisões e a mineração de dados. Essa investigação ocorreu no contexto de uma convocação global denominada “Quantified Society: Examining the Consequences of Algorithmic Decision Making for Open Societies“.
Sendo assim, nós escolhemos como estudo de caso o cartão VOS , uma iniciativa do governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, capital da Argentina, que além de nos permitir explorar as diversas técnicas de Big Data, suas derivações e sua repercussão na questão de direitos como o da privacidade, nos colocou frente a frente com a figura da cidade inteligente, ou “smart city”.
O cartão VOS é multifuncional e permite a habitantes, visitantes regulares e até mesmo turistas realizar diferentes tipos de tarefas vinculadas à gestão administrativa do governo da Cidade, como o sistema urbano de bicicletas, a cobertura local de saúde e benefícios sociais, e tem prevista a inclusão de acesso ao metrô e o armazenamento do histórico clínico dos pacientes dos centros de saúde administrados pelo governo local. Ele permite também acessar descontos na compra de produtos e/ou serviços em diferentes estabelecimentos da cidade, que nada têm a ver com a gestão estadual. Desde o lançamento do cartão, em novembro de 2013, até agosto de 2015 foram entregues 314.008 cartões.
O cartão VOS é um de muitos projetos conduzidos pela Subsecretaria de Cidade Inteligente, vinculada ao Ministério de Modernização da Cidade, criado para projetar e implementar políticas de incorporação e melhoria de processos, tecnologias, infraestrutura computacional e sistemas e tecnologias de gestão do Governo da Cidade. Nesse contexto, o cartão VOS mostrou ser o veículo idôneo para produzir um fluxo de informações segmentadas para a disposição inteligente dos benefícios, promoções, descontos e serviços que serão fornecidos aos futuros usuários do Programa, permitindo utilizar serviços e desfrutar de benefícios de uma maneira fácil, ágil e segura, sejam estes fornecidos pelo Estado ou por entidades privadas.
Para solicitar o cartão VOS, o interessado deve preencher uma série de dados on-line, sendo alguns de caráter obrigatório (tipo de documento, número, nome, sobrenome, data de nascimento, gênero, ocupação, nacionalidade, município, localidade, endereço de e-mail, local de retirada do cartão) e outros de preenchimento opcional (estado civil, identificação tributária ou trabalhista, logradouro, complemento, código postal, telefone fixo, telefone celular).
Como na maioria das assinaturas efetuadas on-line, os Termos e Condições costumam ser o único “contrato” entre as partes; neste caso, entre o usuário do cartão e o Governo da Cidade. Entretanto, ao longo de nossa investigação, detectamos uma série de aspectos que nos chamaram a atenção, em alguns casos por sua inconsistência, em outros, por nos parecerem muito fracas as precauções adotadas com relação à proteção adequada dos dados pessoais. Por exemplo:
- É mencionado que o banco de dados contendo os dados do assinante e as informações referentes às transações realizadas com o cartão estará registrado na Direção Nacional de Proteção de Dados Pessoais, sendo que, por uma questão de jurisdição e tipo de banco de dados (público), seria razoável que o mesmo estivesse registrado no Centro de Proteção de Dados Pessoais vinculado ao governo local, e não nacional.
- O cartão VOS tem como base uma dinâmica de exploração de informações, traçado de perfis e sistemas de recomendação.
- O cartão VOS trata as informações contidas em seu banco de dados e pode transferi-las a seus agentes e/ou aos estabelecimentos participantes para fins publicitários, promocionais e comerciais, e para que se conheça os interesses e/ou afinidades do assinante.
- O Governo local está compilando uma quantidade significativa de informações por meio das relações entre Governo/usuário, usuário/prestador e Governo/prestador geradas pelo uso do cartão.
- O cartão contém tecnologia RFDI, que permite ler ou gravar informações correspondentes à atividade específica que está sendo realizada, embora ainda não contenha tecnologia de localização geográfica. O cartão armazena informações tanto na estrutura RFID quanto na tarja magnética, sem contar com grandes precauções de segurança.
A situação descrita nos permitiu estabelecer alguns objetivos e desafios para nossas cidades, tais como a ausência de especialistas, dada a novidade do assunto, e a falta de orçamento para o desenvolvimento de tecnologias de Big Data e tecnologias derivadas. Pudemos detectar também como obstáculo a falta de um alinhamento adequado entre essas tecnologias e os processos de negócios e, no nosso caso, os processos de gestão por parte do estado, já que para uma inclusão adequada de Big Data é preciso considerar ao menos quatro dimensões: volume, variedade, velocidade e valor. A esse modelo de quatro Vs, nós agregamos a dimensão conhecida como Veracidade, relativa à qualidade dos dados.
Em nosso estudo de caso, nós observamos dois outros problemas: a falta de regulamentação legal sobre o assunto e a questão da privacidade e da proteção dos dados pessoais.
Nesse sentido, a privacidade das informações pode vir a ser violada pelo fenômeno do Big Data se não forem tomadas precauções de segurança suficientes e se tais informações não forem criptografadas e tornadas anônimas. Em nossa opinião, isso poderia gerar uma nova dimensão a ser considerada, ou melhor, um novo V: de Vulnerabilidade dos direitos, se não for possível contar com um marco legal adequado que permita o desenvolvimento dessas tecnologias e a preservação dos direitos da cidadania.
Valeria Milanes é Diretora da área de privacidade da ADC, Asociación por los Derechos Civiles na Argentina.
Tags: Boletim13, privacidade, RFDI, smart city, Valeria Milanes, VOS
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