Privacidade e Políticas Públicas
Os desafios à regulação do Bitcoin
09/11/2015
Por Gabriel Aleixo | #Boletim12
Um dos mais fervorosos debates envolvendo as criptomoedas como o Bitcoin, e projetos derivados da tecnologia (blockchain) que foi criada para torná-lo viável na prática, refere-se à regulação. Nesse sentido, a polêmica não apenas é grande como se desdobra em dois eixos: a regulação do protocolo em si e a regulação (a ser) exercida pelas autoridades legais, especialmente quando o Bitcoin e afins tocam o sistema tradicional; a exemplo das contas em bancos tradicionais rotineiramente utilizadas para realizar a troca de moedas nacionais (reais, dólares, etc) por moedas digitais (Bitcoin, Litecoin, etc).
Como não poderia deixar de ser, compreendendo um grupo que atrai para si os mais diversos, e por vezes contrastantes, anseios políticos, tecnológicos, econômicos e sociais, a comunidade Bitcoin global ainda não chegou a um consenso sobre o tema, o que talvez jamais ocorra. Quanto à regulação formal, de um lado, grandes empresas e bancos – e até mesmo certos governos, para a surpresa dos entusiastas mais ideológicos do Bitcoin, apostam no protocolo de transações nele embutido como uma forma de reduzir custos operacionais e alcançar novos mercados. Trata-se, aqui, da tese de assimilação, envolvendo aqueles que vêem o Bitcoin e a tecnologia blockchain principalmente como um plugin, importante para consertar falhas em indústrias e mecanismos tradicionais, mas sendo assimilado por eles, sem superá-los ou tirá-los de cena. Logo, para esses players a regulação a partir das autoridades legais e instituições tradicionais significaria fugir de incertezas jurídicas e abriria as portas para maiores investimentos e profissionalização do setor; os quais, segundo essa linha de pensamento, ainda vêm a passos mais lentos do que o possível e necessário, por consequência de certa imagem negativa que o Bitcoin possui em certos ciclos que não compreendem o salto tecnológico trazido por sua concepção.
Em muitos países, mesmo tendo sido lançado em 2009 e ganho enorme repercussão de 2013 em diante, nem mesmo a natureza jurídica do Bitcoin é clara para a maioria, seja de autoridades legais ou de usuários. Afinal, o Bitcoin é uma moeda, um meio de pagamento, uma commodity, um protocolo aberto, um software ou um pouco disso tudo e muito mais? Em uma visão particular, é válido compreendê-lo como uma espécie de ouro digital, dados sua natureza escassa (nunca existirão mais de 21 milhões de unidades de Bitcoin em circulação) e seu controle integralmente gerido pelo código das aplicações que integram o sistema. Assim como o ouro físico foi, ao longo da história – e em alguns pontos ainda é, utilizado para finalidades diversas como meio de pagamento, reserva de valor, uso industrial, jóias, etc, o Bitcoin, sendo esse“ouro digital”, apresenta uma variada gama de usos potenciais, dentre os que já se conhece e os que ainda serão construídos. Diante disso, outras perguntas adjacentes surgem. Como regular algo que ainda não se sabe bem o que é ou possa vir a ser? Ou, ao menos, como poderiam ser regulados seus atuais usos sem que haja interferências negativas ou inibidoras sobre as inovações que ainda serão criadas?
Afinal, embora a emergência e a difusão da internet comercial ao longo das últimas duas décadas tenha trazido problemas e, por consequência, propostas de regulação variadas mundo afora, que agente econômico poderia deter em 1995 todo o conhecimento necessário para prever sua evolução e, com isso, propor desde então uma regulação justa e eficiente? Nesse aspecto, é razoável crer que o Bitcoin de hoje é a internet de 1995. Quanto à regulação formal, essa linha de raciocínio é compartilhada por grupos que enxergam no Bitcoin uma fuga às amarras dos sistemas tradicionais. Indo além, alguns defendem até visões mais fortes nesse sentido, advogando pela total autonomia da rede, distante de qualquer órgão regulador. Isso porque acreditam que interferências dessa ordem podem, deliberadamente ou não, colocar em risco características cruciais do sistema que o tornam revolucionário, como: pagamentos com significativo grau de privacidade, custos de transação baixíssimos, descentralização, imunidade à censura e à influência política e rigidez monetária.
Assim, se nesses quesitos por muito tempo hão de perdurar mais as perguntas do que as conclusões, talvez seja interessante iluminar uma potencial resposta à questão da regulação formal por meio de um ponto onde o Bitcoin sempre se destacou: a regulação de seu protocolo em si, da rede que o integra, bem como do código e da comunidade por ele responsáveis. Funcionando através de uma democracia onde se vota com poder computacional, e se tratando de um sistema integralmente baseado em código aberto, o consenso sobre novas atualizações é criado e mantido pelo caminho adotado pela maioria da rede.
Mudanças soft são compatíveis com versões anteriores, a exemplo de versões diferentes de carteira que conseguem comunicar entre si, permitindo uma grande liberdade de escolha. Mudanças hard são incompatíveis, sendo o debate mais famoso da atualidade a questão, aqui colocada de forma didática, de quantas transações por minuto o Bitcoin deve ser capaz de processar. Obviamente, é uma escolha que envolve custos e benefícios, avanços e riscos, e por ter o potencial de dividir a rede, posto que uma mudança nessa variável torna o software dos que optarem pelo outro caminho incompatível com a atualização, o critério decisório de maioria computacional da rede é interessante, mas não deve ser único. A liberdade de escolha será sempre mandatória, sendo possível remixar ou reconstruir esses protocolos e variáveis da maneira desejada. Não por acaso, ao contrário do que pensam alguns, é infindável a lista de criptomoedas ou “criptoprojetos” existentes hoje, todos baseados, em alguma medida, no código ou na ideia do Bitcoin.
No entanto, principalmente num momento em que as partes incomodadas, sejam elas quais forem – a partir do lado da moeda no qual se está, pela revolução que o Bitcoin e suas aplicações carregam consigo, é imprescindível que a comunidade em torno dele some esforços (o que neste caso se traduz em poder computacional) a fim de fortalecer ao menos um caminho comum, dentre os vários possíveis. Um caminho no qual inovações possam seguramente ser testadas e implementadas, sob o risco de que uma total desintegração da rede em infinitos e menores projetos isolados possa representar um risco que o Bitcoin sempre contornou bem: a existência de pontos centrais de falha, o que no cenário descrito seria o menor poder computacional de cada um deles, tornando-os mais vulneráveis e menos valorosos, dimuindo então o ciclo virtuoso de adoção do Bitcoin e afins. Resta agora saber, embora estas sejam cenas dos próximos capítulos, quais propostas, projetos, redes e afins serão capazes de atrair para si os olhares e computações da comunidade em torno das criptomoedas e aplicações baseadas na tecnologia blockchain, diante dos cenários descritos. Certamente, pelo que se pode observar até aqui, quanto mais descentralizadas, abertas e adaptáveis forem essas propostas, maiores as chances de sucesso, independente dos riscos ou dos benefícios representados pelos mais variados tipos de regulação possíveis.
Tags: bitcoin, blockchain, boletim12, gabriel aleixo
Mais conteúdo sobre
- Privacidade e Políticas Públicas
Outras notícias
-
04 jul
-
04 jul
-
04 jul
Mais conteúdo sobre
- Arte e Ativismo
Mais conteúdo sobre
- Tecnologias de Vigilância e Antivigilância